O discurso de Dilma Rousseff no Senado nesta segunda (29) deixou claro que a presidente afastada já não tem mais esperanças de voltar ao cargo. As expressões –que não mudaram quase nada em comparação com pronunciamentos anteriores– foram voltadas única e exclusivamente para a militância petista. Sem alternativas para se salvar, Dilma tenta salvar o futuro do partido.
A presidente afastada começou tecendo elogios à Constituição de 1988, dizendo que a considera um dos maiores avanços do país. Faz sentido, afinal, nada melhor para alguém que se diz vítima de um golpe se declarar amante das leis. O problema é que ela se esqueceu de um detalhe: o PT foi radicalmente contra a Constituição de 1988 e inclusive recuou-se a participar de sua homologação coletiva.
Utilizando-se do populismo barato de sempre, Dilma afirmou que se encontra nesta situação porque, em 2014, as urnas foram contra a vontade das elites.
Engraçado. Parece que a petista não sabe que está caindo justamente por cometer crime fiscal em benefício das... elites. A maior parte do dinheiro das pedaladas fiscais foi para pagar grandes empresários e grandes ruralistas, justamente aqueles que, em sua narrativa, deveriam ser seus algozes.
Dilma fez questão de reforçar repetidamente que foi eleita com 54 milhões de votos e que seus eleitores deveriam ser respeitados. Ora, como eles seriam desrespeitados? Michel Temer, vice-presidente escolhido por ela –pela segunda vez, aliás–, foi legitimado pelos mesmos votos. E é papel do vice-presidente da República assumir quando o presidente tem seu mandato cassado pelo Senado por cometer crime de responsabilidade.
Concretizado o impeachment, Temer passa a ser o presidente validado por 54 milhões de votos. É o que determina aquela Constituição de 1988 que a petista diz admirar.
A presidente afastada ainda se arriscou a falar sobre o teto de gastos, afirmando que a aprovação da proposta impediria, por 20 anos, o aumento no acesso à educação, a melhora na qualidade da Saúde e a existência de programas de habitação. É como se a gastança desenfreada de seus governos tivesse garantido educação e casa própria para todos e saúde de qualidade. O que vimos, na verdade, foi exatamente o contrário.
E, claro, como não poderia deixar de ser, a petista falou em "golpe". Apesar de essa baboseira já ter sido desconstruída exaustivamente por juristas de altíssimos calibres, não custa reforçar. Como um dispositivo previsto pela Constituição –com rito definido pela mais alta corte do país e julgamento executado pelo Congresso Nacional com todos os direitos de defesa assegurados à acusada– pode ser sinônimo de uma ruptura institucional? É um contrassenso evidente.
Mesmo com todas as mentiras descaradas e a já batida narrativa do golpe, Dilma cumpriu seu papel. Seu objetivo no Senado não era virar votos de senadores indecisos ou convencer a sociedade de que é inocente. O verdadeiro foco era reforçar e fortalecer o discurso para manter uma militância ideológica radical trabalhando para o partido durante os tempos de vacas magras que estão por vir.
Sem a estrutura do governo federal para se sustentar e absolutamente desmoralizado pela revelação de incontáveis escândalos de corrupção, o PT tenta voltar às suas origens para, talvez, um dia, voltar a ter o poder. Resta saber se os brasileiros, daqui a alguns anos, se deixarão levar, mais uma vez, por um discurso messiânico.