sexta-feira, 29 de julho de 2016

Rogério Furquim Werneck: "A aposta de Temer"

O Globo


A simples aprovação da PEC dos gastos não garantirá a mudança do regime fiscal que se faz necessária


Tudo indica que, dentro de 30 dias, Michel Temer deixará de ser um presidente interino. Será lamentável se, em meio ao clima de distensão e relativo otimismo que o desfecho do processo de impeachment deverá ensejar, o país ficar tentado a subestimar as reais proporções do colossal atoleiro fiscal em que foi metido.

Por enquanto, os efeitos desestabilizadores do crescimento descontrolado do endividamento público vêm sendo precariamente contidos por vagas promessas de mudança do regime fiscal. Três fatores vêm dando credibilidade momentânea a tais promessas: o prestígio da excelente equipe econômica montada por Temer, a suposta solidez do respaldo do governo no Congresso e a aposta no Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que prevê a imposição de um teto à evolução do dispêndio federal nos próximos anos.

A simples aprovação da PEC não garantirá a mudança do regime fiscal que se faz necessária. Mas será um passo fundamental para, aos poucos, engendrar o senso de urgência requerido para que as medidas que viabilizarão tal mudança sejam aprovadas pelo Congresso no futuro.

O teto implicará imposição de uma restrição orçamentária rígida à União. E porá em marcha um processo de rápida elevação dos custos de preservação da indefensável rigidez que hoje se observa no gasto público federal. Se não forem aprovadas medidas que atenuem de forma substancial essa rigidez, o respeito ao teto deverá exigir compressão cada vez mais penosa dos gastos discricionários da União, que hoje representam meros 10% do total do dispêndio primário federal.

O que se espera, com algum otimismo, é que, ao exacerbar as contradições do processo orçamentário e aumentar o desconforto gerado pela procrastinação das medidas que podem reduzir a rigidez dos gastos, a imposição do teto reduza a resistência do Congresso à aprovação de tais medidas.

Não falta quem argua que tal expectativa é ingênua. E que o mais provável é que o teto acabe induzindo, não o avanço da reforma fiscal, mas o surgimento de uma coalizão irresistível a favor do afrouxamento ou da simples revogação do teto.

Não é um desdobramento que possa ser descartado. O governo terá de estar atento ao risco desse fiasco. E, claro, a preservação do teto exigirá que, não só Temer, como seu sucessor, permaneçam convictos da sua importância.

As críticas ao teto não vêm apenas de quem manifesta ceticismo sobre sua preservação. Há quem se preocupe com a possibilidade de que o teto, de fato, induza redução substancial da rigidez que hoje se vê no gasto público federal, mas que isso se faça às custas dos dispêndios com educação e saúde. E, temendo tal desfecho, defenda que as vinculações constitucionais que “protegem” esses dispêndios sejam mantidas.

Em meio à segunda década do século XXI, ainda prevalece no país a ideia de que decisões sobre a composição do gasto público não podem ser deixadas ao sabor de negociações políticas entre o Poder Executivo e o Congresso, como ocorre em qualquer nação civilizada. E de que devem continuar restritas pelo emaranhado de regras de vinculação e indexação que, ao longo do tempo, conferiram ao Orçamento a espantosa rigidez que hoje se vê.

É curioso que alguns dos mesmos analistas que defendem a preservação dessas regras também arguam, por outro lado, que o Congresso dificilmente concordará com um ajuste fiscal que prejudique o vasto contingente de eleitores que hoje se beneficiam dos sistemas universais de educação e saúde no país. Se, de fato, creem nisso, por que defendem que o processo orçamentário deve continuar engessado por regras arcaicas de vinculação e indexação?

Tais resistências mostram que o sucesso da aposta no teto deverá exigir também penosa mudança de mentalidade, com superação da indisfarçável descrença no funcionamento da democracia que ainda viceja no país.

Fácil não será. Mas não há saída fácil para o atoleiro fiscal em que o país foi metido.

Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio