A secretária de Direitos Humanos do governo interino, Flávia Piovesan, assumiu o cargo em meio aos protestos e críticas de falta de representatividade feminina na gestão de Michel Temer. Ela mesma diz que já se sentiu discriminada várias vezes por ser mulher. “Sempre foi parte da minha trajetória. Quantas vezes não participei de eventos em que era a única mulher em mais de 50 painelistas de direito constitucional?” Procuradora do Estado de São Paulo, professora e especialista em direito internacional, Flávia é reconhecida pela defesa dos direitos humanos, a que chama da “causa da minha vida”. Quase dois meses após assumir o cargo, ela acredita estar avançando no diálogo com ministro da Justiça, Alexandre Moraes, para encontrar o equilíbrio entre segurança e direitos humanos. “Temos que romper o antagonismo.” Para ela, terrorismo e migrações impõem um novo desafio aos países. “Não dá para, em nome da segurança, arrebentar todos os direitos.” Piovesan defende como resposta a criação de uma cultura de paz e tolerância. Mesma resposta para o ódio e o preconceito religioso, sexual e de gênero, temas que ela quer enfrentar na Pasta. À frente de uma secretaria muito heterogênea e que foi rebaixada do status de ministério, Piovesan conta que a receita deve vir das parcerias com estados, universidades, ONGs, sociedade civil e iniciativa privada.
ÉPOCA – Estamos a pouco mais de uma semana da Olimpíada e o grande temor hoje é com relação ao terrorismo.
Flávia Piovesan – A primeira reflexão que faço é que precisamos trabalhar a simbologia da Olimpíada como um momento de paz, de diálogo, de enaltecer a diversidade. Aqui lembro Hannah Arendt [filósofa política alemã de origem judaica] quando diz que a humanidade se baseia na unicidade e na diversidade existencial. A Olimpíada poderia ser um momento de trazer a diversidade e a importância de uma cultura da paz e do respeito. É uma trégua. Mas nós vivemos um momento delicado. Por exemplo: estive na Alemanha recentemente e, como mãe, sempre vi ali um país inocente, onde os pais educam para a liberdade enquanto a gente educa para o medo. A Alemanha agora perdeu a inocência. No fundo, hoje, a agenda internacional, depois do que se passou em Nice, na Alemanha, em Bruxelas, em Paris, é a agenda do combate ao terrorismo. E nessa agenda qual o drama? É a restrição desmedida de direitos e liberdades. Então a história dos direitos humanos é uma história de luzes e sombra. O grande desafio é a lucidez para que não tenha terrorismo de Estado, como o que está acontecendo na Turquia. Em nome de uma segurança, direitos dos mais básicos estão sendo atropelados, demissões em massa, escolas fechadas. Vamos combater o terrorismo? Vamos restringir direitos? A restrição tem que ser adequada e proporcional. Não venham com excessos. Não dá para em nome da segurança arrebentar todos os direitos. Esse é ponto central, em tempos de terror é preciso preservar os direitos.
Flávia Piovesan – A primeira reflexão que faço é que precisamos trabalhar a simbologia da Olimpíada como um momento de paz, de diálogo, de enaltecer a diversidade. Aqui lembro Hannah Arendt [filósofa política alemã de origem judaica] quando diz que a humanidade se baseia na unicidade e na diversidade existencial. A Olimpíada poderia ser um momento de trazer a diversidade e a importância de uma cultura da paz e do respeito. É uma trégua. Mas nós vivemos um momento delicado. Por exemplo: estive na Alemanha recentemente e, como mãe, sempre vi ali um país inocente, onde os pais educam para a liberdade enquanto a gente educa para o medo. A Alemanha agora perdeu a inocência. No fundo, hoje, a agenda internacional, depois do que se passou em Nice, na Alemanha, em Bruxelas, em Paris, é a agenda do combate ao terrorismo. E nessa agenda qual o drama? É a restrição desmedida de direitos e liberdades. Então a história dos direitos humanos é uma história de luzes e sombra. O grande desafio é a lucidez para que não tenha terrorismo de Estado, como o que está acontecendo na Turquia. Em nome de uma segurança, direitos dos mais básicos estão sendo atropelados, demissões em massa, escolas fechadas. Vamos combater o terrorismo? Vamos restringir direitos? A restrição tem que ser adequada e proporcional. Não venham com excessos. Não dá para em nome da segurança arrebentar todos os direitos. Esse é ponto central, em tempos de terror é preciso preservar os direitos.
ÉPOCA – Estamos no Brasil criando uma cultura de intolerância religiosa?
Flávia – Com relação ao tema do ódio sou quase monotemática. Faço um apelo ao pluralismo. Estamos aqui enfrentando um desafio de cultura de violência e violação de direitos e o ódio, que só pode ter como resposta uma cultura de respeito e de promoção de direitos. Quando a gente fala de violência contra a mulher, ela existe por quê? Boa parte dos estudos aponta que a violência contra a mulher existe por causa do componente cultural decorrente de relações assimétricas de poder entre homens e mulheres. Então, se a violência tem um componente cultural, para nós trabalharmos a não violência, a cultura da paz, temos de trabalhar com outro componente cultural, que possa trazer uma racionalidade de resistência. Sou muito convencida da necessidade de difundir uma cultura de não violência, de paz, de respeito à diversidade em todas as frentes. Nesse um mês e meio na Secretaria de Direitos Humanos, estamos tentando avançar em universidades, escolas, no Judiciário, no setor privado... Os direitos humanos demandam a ética da alteridade, algo muito singelo. É ver no outro um igual em consideração e respeito. E quando essa ética da alteridade é rompida, com essas intolerâncias, com a islamofobia, você nega ao outro a condição de um igual. E qual é o radical comum entre escravidão, nazismo? É negar ao outro a condição de sujeito de direitos. Vejo o outro como menor e então aniquilo direitos, como com migrantes, refugiados.
Flávia – Com relação ao tema do ódio sou quase monotemática. Faço um apelo ao pluralismo. Estamos aqui enfrentando um desafio de cultura de violência e violação de direitos e o ódio, que só pode ter como resposta uma cultura de respeito e de promoção de direitos. Quando a gente fala de violência contra a mulher, ela existe por quê? Boa parte dos estudos aponta que a violência contra a mulher existe por causa do componente cultural decorrente de relações assimétricas de poder entre homens e mulheres. Então, se a violência tem um componente cultural, para nós trabalharmos a não violência, a cultura da paz, temos de trabalhar com outro componente cultural, que possa trazer uma racionalidade de resistência. Sou muito convencida da necessidade de difundir uma cultura de não violência, de paz, de respeito à diversidade em todas as frentes. Nesse um mês e meio na Secretaria de Direitos Humanos, estamos tentando avançar em universidades, escolas, no Judiciário, no setor privado... Os direitos humanos demandam a ética da alteridade, algo muito singelo. É ver no outro um igual em consideração e respeito. E quando essa ética da alteridade é rompida, com essas intolerâncias, com a islamofobia, você nega ao outro a condição de um igual. E qual é o radical comum entre escravidão, nazismo? É negar ao outro a condição de sujeito de direitos. Vejo o outro como menor e então aniquilo direitos, como com migrantes, refugiados.
ÉPOCA – O Estado tem responsabilidade?
Flávia – A pauta do combate ao terrorismo é muito difícil. No campo jurídico, a definição é muito imprecisa. Eu defendo que o terrorismo é um crime contra a humanidade. Mas há o perigo de criminalizar movimentos sociais e me parece que há espaço para aprimoramento na nossa legislação. Então, há uma névoa no que tange o marco conceitual do que é terrorismo. Como prevenir o terrorismo? Como combater? Sempre todo combate deve estar no marco da democracia e dos direitos humanos. E no campo dos direitos humanos há aquele mínimo inderrogável. Nada pode justificar a tortura. Nem guerra, nem comoção nacional, estabilidade. Nada permite a suspensão de direitos. Isso está na Organização das Nações Unidas (ONU), em convenções internacionais... Há estados de excepcionalidade, mas não é a barbárie. Agora, a pauta hoje é preocupante porque a agenda do terrorismo pós-11 de Setembro mostra que há uma agenda tendencialmente restritiva de direitos. E de alguma maneira isso se tornou uma preocupação corrente do mundo ocidental, especialmente de países europeus. Temos hoje 200 milhões de migrantes, 56 milhões de refugiados, o mais alto número de refugiados já registrado da história, ou seja um contingente de pessoas que circulam e aí vem o componente cultural. As culturas não são territorializadas. O migrante ou o refugiado vem com sua doutrina, com sua cultura, com sua religião. Há tensões, sobretudo no campo dos direitos das mulheres. Então veja a dificuldade quando em Colônia, na Alemanha, 100 mulheres sofreram violência sexual porque para algumas religiões as mulheres são inferiores. É preciso diálogo intercultural. Países nórdicos fizeram uma capacitação com homens que vinham de países árabes, que por estatística são os países que mais discriminam as mulheres. Fizeram a capacitação porque há esse gap. Mostrando que aqui, lá, é diferente, que as mulheres trabalham, podem sair sozinhas, têm liberdade de se vestir como elas querem... O desafio maior é o diálogo intercultural, que demanda o não fundamentalismo.
Flávia – A pauta do combate ao terrorismo é muito difícil. No campo jurídico, a definição é muito imprecisa. Eu defendo que o terrorismo é um crime contra a humanidade. Mas há o perigo de criminalizar movimentos sociais e me parece que há espaço para aprimoramento na nossa legislação. Então, há uma névoa no que tange o marco conceitual do que é terrorismo. Como prevenir o terrorismo? Como combater? Sempre todo combate deve estar no marco da democracia e dos direitos humanos. E no campo dos direitos humanos há aquele mínimo inderrogável. Nada pode justificar a tortura. Nem guerra, nem comoção nacional, estabilidade. Nada permite a suspensão de direitos. Isso está na Organização das Nações Unidas (ONU), em convenções internacionais... Há estados de excepcionalidade, mas não é a barbárie. Agora, a pauta hoje é preocupante porque a agenda do terrorismo pós-11 de Setembro mostra que há uma agenda tendencialmente restritiva de direitos. E de alguma maneira isso se tornou uma preocupação corrente do mundo ocidental, especialmente de países europeus. Temos hoje 200 milhões de migrantes, 56 milhões de refugiados, o mais alto número de refugiados já registrado da história, ou seja um contingente de pessoas que circulam e aí vem o componente cultural. As culturas não são territorializadas. O migrante ou o refugiado vem com sua doutrina, com sua cultura, com sua religião. Há tensões, sobretudo no campo dos direitos das mulheres. Então veja a dificuldade quando em Colônia, na Alemanha, 100 mulheres sofreram violência sexual porque para algumas religiões as mulheres são inferiores. É preciso diálogo intercultural. Países nórdicos fizeram uma capacitação com homens que vinham de países árabes, que por estatística são os países que mais discriminam as mulheres. Fizeram a capacitação porque há esse gap. Mostrando que aqui, lá, é diferente, que as mulheres trabalham, podem sair sozinhas, têm liberdade de se vestir como elas querem... O desafio maior é o diálogo intercultural, que demanda o não fundamentalismo.
ÉPOCA – O Brasil também sofre com a violência e a letalidade policial. Temos armas demais?
Flávia – Temos que ter um controle maior. Se nós avaliarmos, tem até venda de arma pela internet. É uma loucura. Os Estados Unidos estão pagando esse preço. Temos que restringir, controlar... Sou absolutamente favorável ao Estatuto do Desarmamento. Tem que ter rigor, tem que ter cuidado. Vivemos no Brasil o desafio do fortalecimento da institucionalidade democrática. Reformas institucionais são necessárias. O último relatório da Human Rights Watch traz um aspecto muito interessante, que é a vergonha dos policiais pela banda podre. O desafio do mundo e do Brasil com altos índices de criminalidade e da América Latina, que é região mais violenta do mundo, é o mesmo debate do terrorismo: conciliar segurança e direitos humanos. Não como termos antagônicos. Temos que romper o antagonismo.
Flávia – Temos que ter um controle maior. Se nós avaliarmos, tem até venda de arma pela internet. É uma loucura. Os Estados Unidos estão pagando esse preço. Temos que restringir, controlar... Sou absolutamente favorável ao Estatuto do Desarmamento. Tem que ter rigor, tem que ter cuidado. Vivemos no Brasil o desafio do fortalecimento da institucionalidade democrática. Reformas institucionais são necessárias. O último relatório da Human Rights Watch traz um aspecto muito interessante, que é a vergonha dos policiais pela banda podre. O desafio do mundo e do Brasil com altos índices de criminalidade e da América Latina, que é região mais violenta do mundo, é o mesmo debate do terrorismo: conciliar segurança e direitos humanos. Não como termos antagônicos. Temos que romper o antagonismo.
ÉPOCA – Não há aqui um choque entre os direitos humanos e a segurança?
Flávia – Temos que construir pontes. Conheço o ministro Alexandre Moraes há 20 anos e tenho um diálogo muito bom, muito aberto e transparente. Temos convergências, temos divergências e temos respeito. Estamos avançando nos diálogos. A defesa dos direitos humanos é a causa da minha vida, mas tendo formação jurídica e tendo atualmente na presidência um professor de direito constitucional, Michel Temer, que é uma pessoa que valora o direito constitucional, toda defesa que faço também tem como marco a legalidade constitucional, internacional e a jurisprudência. Então temos os guidelines da ONU sobre o uso moderado da força e que precisam ser respeitados. É muito importante fazer a defesa moral, mas também ter a consistência jurídica dos marcos que o Brasil adota.
Flávia – Temos que construir pontes. Conheço o ministro Alexandre Moraes há 20 anos e tenho um diálogo muito bom, muito aberto e transparente. Temos convergências, temos divergências e temos respeito. Estamos avançando nos diálogos. A defesa dos direitos humanos é a causa da minha vida, mas tendo formação jurídica e tendo atualmente na presidência um professor de direito constitucional, Michel Temer, que é uma pessoa que valora o direito constitucional, toda defesa que faço também tem como marco a legalidade constitucional, internacional e a jurisprudência. Então temos os guidelines da ONU sobre o uso moderado da força e que precisam ser respeitados. É muito importante fazer a defesa moral, mas também ter a consistência jurídica dos marcos que o Brasil adota.