domingo, 31 de julho de 2016

"O bilhete premiado de Michel Temer", por Conrado Mazzoni

Com O Antagonista


Não podemos deixar passar uma crise impunemente, precisamos aproveitar. No meio do nevoeiro, esse é o recado a Michel Temer de quem torce para o Brasil se acertar. Gustavo Franco conhece o ritual de reformas econômicas e está confiante. Para o economista, que participou da formulação do Plano Real (1994), muita gente ainda não se deu conta do quanto a situação pode mudar para melhor.

Ex-presidente do Banco Central (1997-1999) e um dos sócios-fundadores da Rio Bravo Investimentos, Franco vê Temer com um bilhete premiado nas mãos caso saiba tirar proveito do momento para corrigir gargalos estruturais no País.

“O Brasil é um país difícil de reformas e mudanças. As coisas acontecem episodicamente, quando certas janelas se abrem. Foi assim com o FHC, em razão do Plano Real, e agora abriu-se uma janela. Ela não fica muito tempo aberta, é preciso aproveitar a oportunidade”, diz ele, que também foi secretário-adjunto de política econômica do Ministério da Fazenda e é autor de 14 livros publicados.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista a O Financista:

O Financista: A recessão acabou? Chegou a hora da retomada na economia?

Gustavo Franco: Existe uma óbvia vontade generalizada de proclamar o fim desse período nefasto da economia sob a égide da nova matriz econômica, da heterodoxia e da presidente afastada. Todos querem ser felizes e dar por terminado esse episódio. Porém, é preciso ter paciência. A recuperação não vem de um momento para outro. A mudança de humor é gradual, a confiança vai se alastrando e aí afetando as decisões de forma gradual. A economia é um empreendimento muito grande, um transatlântico gigantesco que começa a acelerar. Falta ainda o evento político definidor que é a confirmação do impeachment. A partir daí há uma expectativa de chegada de medidas cuja qualidade as pessoas têm comparado às pessoas que o presidente interino conseguiu atrair para a área econômica. Criou-se, portanto, uma dinâmica muito positiva de expectativa. Mas, por ora, tudo ainda está no terreno do desejo. Isso vai ser materializado devagar. Tudo leva a crer que teremos sim uma recuperação no segundo semestre e um Natal melhor, mas isso não vai afetar o número do crescimento do PIB deste ano, que será muito negativo (-3,27%, segundo o Focus). A especulação positiva está muito localizada em 2017, então, vamos com calma. Uma coisa de cada vez.

O Financista: Qual é a sua leitura sobre a gestão Michel Temer até aqui?

Gustavo Franco: É prematuro, claro, dizer muita coisa. Só se pode elogiar as escolhas feitas para a área econômica. Todavia ainda permanece uma sombra de incertezas sobre se essas pessoas poderão colocar em prática as ideias de reformas que as fizeram famosas. Todos que foram para o governo na área econômica têm uma vivência anterior que atesta uma preferência por reformas pró-mercado. A economia está ansiosa por medidas práticas. Até agora, nada. Intenções, estudos preparativos, o que é normal diante da incerteza que cerca a própria Presidência Temer. A melhora de expectativas não é pouca coisa, mas também não é tudo.

O Financista: O senhor está confiante no avanço da emenda constitucional do gasto preparando o terreno para a reforma da Previdência?

Gustavo Franco: Estou. Esses anos todos de ilusões e falsidades na economia que o governo do PT patrocinou serviram para amadurecer a opinião pública para imperativos de eficiência do setor público e qualidade na política econômica. A reforma da Previdência é um imperativo fiscal, de equidade e de sustentabilidade do Estado que é preciso enfrentar, assim como a reforma trabalhista – um imperativo do funcionamento eficiente do País no século XXI, no mundo globalizado. Procrastinar essas discussões, como aconteceu, foi um prejuízo imenso. Há também uma agenda de privatização com um conteúdo fiscal muito óbvio quando se olha o prejuízo decorrente de concessões malfeitas, ausência de investimentos, ineficiência de empresas públicas, e a coisa propriamente da economia real: setores inteiros que precisam de investimentos e de novas tecnologias. Porém, nada acontece, porque o setor público não é capaz de fazer. Subitamente, essas coisas que pareciam impossíveis de acontecer sob Dilma Rousseff se tornam factíveis. Até está demorando para as pessoas se darem conta do quanto a coisa pode mudar para melhor. Politicamente, para Michel Temer, é quase que um bilhete premiado, se ele souber evidentemente avaliar a janela de oportunidade que se abriu para fazer reformas no Brasil. O Brasil é um país difícil de reformas e mudanças. As coisas acontecem episodicamente quando certas janelas se abrem. Foi assim com o FHC em razão do Plano Real e agora abriu-se uma janela. Ela não fica muito tempo aberta, é preciso aproveitar a oportunidade.

O Financista: Há algum receio de que uma melhora de indicadores no curto prazo possa reduzir o apelo em tocar as reformas?

Gustavo Franco: A complacência é o drama clássico das reformas. Quando o assunto foi inflação, isso era um perigo: vamos fazer as coisas necessárias para combater a inflação, mas aí se percebe que a inflação está vencida e voltam os velhos hábitos. O caso agora é um pouco diferente, porque aqui se trata de fornecer novas turbinas para o crescimento. Se funciona, cria uma dinâmica de replicação, de feedback positivo, porque, se funciona um pouco, funciona um pouco mais. Se as reformas vão produzir melhor expectativa de crescimento não tem por que elas serem impopulares. A questão de popularidade ou não é uma questão de resultado. Em si, qualquer medida de política econômica sempre afeta para mais ou para menos um e outro, agora, o grande determinante de popularidade é se vai dar certo para o coletivo. Metade da minha vida eu escutei falar que programa de estabilização de combate à inflação é uma coisa impopular. Depois do Plano Real, essa coisa mudou. Se faz e dá certo, vira popular. São reformas que conduzem ao crescimento. Deixa dar certo para acabar com esse mito de que a coisa é impopular.