Já cansei de ouvir muita gente boa dizer que ponto central de uma reforma política, no Brasil, seria o financiamento público das campanhas. Começando pelo começo, essa novidade começou com Lula. Ainda Presidente. Para justificar o Caixa 2 de suas campanhas. No tempo do Mensalão (Ação Penal 470), só para lembrar. Como se essa ausência de financiamento público fosse, no fundo, responsável pela corrupção que se espraiou pelo país como uma praga. Era uma tese cômoda. Ninguém teria enriquecido (falso, depois se viu). E passava-se ao largo da sustentação de um projeto do poder com dinheiro sujo. Para completar, em seus desejos de ser Ministro do STF, um presidente da OAB nacional endossou a tese – quem é advogado sabe disso. Deu em nada, graças a Deus.
Napoleão, ao presidir os trabalhos (esteve presente em todas as sessões) para a elaboração do Código Civil, mais conhecido como Code Napoléon, a cada novo artigo que lhe era apresentado perguntava sempre: “É certo? É justo?” E só depois o aprovava. Estava convencido de que seria mais lembrado por ele que pelas suas batalhas. Não sendo por acaso que esse Código, o mais antigo entre todos, esteja em vigor desde 21.03.1804. Vale a pena (tudo vale) aplicar essa regra também no caso em causa.
“É certo?” Bom critério para decidir isso é ver o que ocorre com países que já usam esse financiamento público. O que vai trazer problema para os apoiadores da tese. Que, dos 194 países da ONU, só um teve coragem de ir tão longe. A Alemanha. Com o Parteingesetz, de 1967 (0,85 euros por voto até 4 milhões e, a partir daí, 0,70). E nenhum outro país.
Verdade que a Itália chegou a tentar esse modelo. Na crença de que a corrupção iria diminuir. Mas logo se viu que, ao contrário, ela só aumentou. E muito. Até que, de 1992 a 1996, tivemos a operação Mani Polite (Mais Limpos), com 3.292 presos. Tantos que acabou revogado o tal Finanziamento pelo Decreto Legge 149/2013. Cabendo agora aos defensores em tese explicar como um sistema que só funciona em um único país do mundo vai resolver os graves problemas de nossa tenra democracia.
Passemos, então, à segunda pergunta de Napoleão. “É justo?” Em linguagem bem simples, num país como o nosso, isso corresponde a tirar dinheiro de saúde e educação (fiquemos só nesses dois campos) para ajudar Deputados e Senadores a torrar essa grana em suas companhas. Deixa-se de comprar livros e remédios para por dinheiro (ainda mais, sem contar o fundo partidário e o horário gratuito) nas mãos de nossas elites políticas. Eles vão rir de nós.
Difícil acreditar que uma ideia exótica assim, especialmente em meio a tantas carências endêmicas, possa prosperar. O estômago embrulha, só de pensar nisso. Em resumo, nem é certo nem é justo. No plano ético acaba sendo só, literalmente, uma indecência. No político, um equívoco lamentável. Tudo conspirando para lembrar Lord Chesterton, “O mais terrível do erro é que ele tem heróis sinceros”.