Fernanda Krakovics e Jeferson Ribeiro - O Globo
Com a proximidade da votação final do processo de impeachment, em agosto, cresce o distanciamento entre a presidente afastada, Dilma Rousseff, e o PT. Com o partido descrente, a resistência à destituição da presidente virou mais um discurso para animar a militância, e tentar conter o desgaste causado pela Operação Lava-Jato, do que uma mobilização para tentar virar votos no Senado que salvem Dilma.
A presidente afastada, por sua vez, tem se mostrado mais preocupada em preservar sua biografia do que em voltar ao poder ou trabalhar pela sobrevivência política do PT. Na última quarta-feira, em entrevista à Rádio Educadora, ela jogou para o partido a responsabilidade pelo pagamento do marqueteiro João Santana, que disse ao juiz Sérgio Moro ter recebido recursos relativos à campanha de Dilma em caixa dois, no exterior.
Lideranças do PT tentaram minimizar a declaração de Dilma, afirmando ser natural que ela procure se eximir da culpa por eventuais irregularidades às vésperas da votação do impeachment. O partido afirma que todas as operações foram feitas dentro da legalidade e que as contas da campanha de 2010, às quais o marqueteiro se referiu, foram aprovadas pela Justiça Eleitoral.
LULA BUSCA RECONSTRUIR SUA IMAGEM
O ex-presidente Lula tem viajado pelo país, principalmente o Nordeste, na “Caravana Popular em Defesa da Democracia”. Petistas dizem que o principal objetivo de Lula é tentar reconstruir sua própria imagem e defender seu legado, sobretudo as conquistas sociais de seus oito anos de governo, visando às eleições de 2018, independentemente de ser ele o candidato ou outro nome escolhido pelo líder petista. O primeiro teste será este ano, nas eleições municipais. A prioridade do PT é reeleger o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad.
Apesar de dizer que não há crime de responsabilidade que justifique o impeachment, Lula apontou, em atos este mês em Recife e em Carpina, na Zona da Mata pernambucana, supostos erros cometidos por Dilma, como a insistência nas desonerações e o endurecimento de regras para benefícios trabalhistas e previdenciários. O ex-presidente também disse que ela não seguiu seus conselhos para tentar superar a crise econômica:
— A Dilma Rousseff, durante o ano de 2014, não se deu conta de que, ao abrir mão de imposto para favorecer os empresários, começou a faltar dinheiro no cofre para a gente poder fazer a economia continuar acontecendo. Depois das eleições, ela apresentou um programa de ajuste econômico que deixou muitos de nós descontentes, porque mexeu com a aposentadoria, com pescador, com mulheres que casavam com aposentados no Nordeste — disse Lula durante ato em Recife, no último dia 13.
Mesmo assim, no dia anterior, em Carpina, Lula pediu a uma plateia de agricultores que, em vez de irem para a rua gritar “Fora, Temer”, enviassem mensagens de WhatsApp pressionando senadores que votaram pelo afastamento de Dilma.
O Senado abriu o processo de impeachment com o apoio de 55 senadores. Para afastar definitivamente a presidente, são necessários 54 votos. Dilma, que teve na primeira votação, em maio, 22 votos, precisa convencer seis senadores a mudar de posição.
Petistas afirmam que ainda não viraram nenhum voto e que correm o risco de perder apoios, como de Otto Alencar (PSD-BA).
— Não tem mobilização. Se ainda tivesse viabilidade, mas não tem — disse um integrante da cúpula do PT.
O partido, no entanto, continua com o discurso do “golpe” e pretende levar esse debate para as eleições municipais.
— Não jogamos a toalha, ainda acreditamos. Tem três ou quatro senadores que estão mudando de voto — disse o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), ao discursar, domingo passado, na convenção do PCdoB que oficializou a candidatura de Jandira Feghali à prefeitura do Rio, com o PT de vice na chapa.
Para um auxiliar de Dilma, a desmobilização se restringe a setores do PT, especialmente deputados interessados, segundo ele, em ter acesso ao governo interino de Michel Temer e a benesses na Câmara. Ainda segundo esse auxiliar, as articulações para tentar barrar o impeachment esfriaram semana passada devido ao recesso parlamentar.
Integrantes do PT e de movimentos sociais reclamam que Dilma se encastelou no Palácio da Alvorada e viajou pouco para defender seu mandato. Desde que foi afastada, transformou seu perfil no Facebook em seu principal canal de comunicação. Também deu entrevistas, principalmente para a imprensa internacional.
FALTA DE TRAQUEJO POLÍTICO
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-chefe da Casa Civil de Dilma, é apontada como um retrato da deterioração da relação entre a presidente afastada e o PT. Apesar de continuar na linha de frente contra o impeachment, a senadora, nos bastidores, passou a se tornar uma crítica, dizem petistas.
Gleisi ficou magoada, segundo esses petistas, com a bronca que levou de Dilma, junto com outros senadores, em 9 de maio. O grupo foi ao Palácio do Planalto comemorar a anulação, pelo então presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), da tramitação do processo de impeachment. Os senadores foram chamados de “idiotas”, segundo relatos, por acreditarem que aquela manobra se sustentaria.
— Tá certo que a Dilma não é nenhuma mola de Fusquinha, não tem o corpo assim para tratar de política. Às vezes é dura, as pessoas têm medo dela, não conversa, e vai dificultando. Mas isso não é defeito, a gente conserta — disse Lula, no último dia 12, em discurso em Carpina (PE).
A aposta na mudança de atitude de Dilma ocorre oito anos após a então ministra da Casa Civil receber um bambolê de presente do então líder do PMDB, deputado Henrique Alves (RN), para que tivesse “mais jogo de cintura”.
IDAS E VINDAS DE UMA RELAÇÃO DIFÍCIL
2001
Filiação: Egressa do PDT, Dilma filia-se ao PT em 2001. Um ano depois, participa da equipe de transição entre os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, de quem se torna ministra de Minas e Energia, área em que atuava no Rio Grande do Sul.
2005
Na Casa Civil: Com a queda do ministro José Dirceu (Casa Civil), em 2005, abatido pelo escândalo do mensalão, assim como as principais lideranças petistas, Dilma assume esse ministério e começa a ter pavimentada sua candidatura à Presidência da República. Em 2008, ela é apresentada por Lula, em uma inauguração no Complexo do Alemão, no Rio, como “a mãe do PAC”. O Programa de Aceleração do Crescimento era o carro-chefe do segundo mandato do então presidente Lula.
2010
Faxina: Eleita em 2010, Dilma promove uma faxina ética em seu primeiro ano de mandato, afastando sete ministros sob suspeita de irregularidades, sendo cinco deles herdados do governo Lula.
Fogo amigo: Vista como uma estranha no ninho pelo PT, Dilma tem que conviver durante seu primeiro mandato com o movimento “Volta, Lula”.
Divergências: Criador e criatura têm várias divergências, sendo uma das principais a condução da área econômica. No primeiro mandato de Dilma, Lula queria que ela substituísse o então ministro da Fazenda, Guido Mantega. Um de seus nomes preferidos era o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Dilma só substituiu Mantega no segundo mandato e nomeou para seu lugar Joaquim Levy, execrado pelo PT.
Críticas ao governo: O PT e Lula consideram a articulação política e a comunicação os calcanhares de aquiles do governo Dilma. Reclamam que ela não dialoga com o Congresso, com os movimentos sociais nem com os empresários. Queixam-se de que Dilma e seus ministros viajam pouco, fazem poucos discursos e dão poucas entrevistas. A cada crise, a presidente promete ampliar o diálogo e vender melhor o governo.
2015
Troca de equipe: No início do segundo mandato, Dilma tira todos os ministros ligados a Lula do Palácio do Planalto e se cerca de petistas de sua confiança, que não eram da ala majoritária do partido.
Cobrança: Lula cobra do governo Dilma que condene supostos excessos da Polícia Federal e do juiz Sérgio Moro na Lava-Jato. A presidente afirma que a Polícia Federal tem autonomia para trabalhar e que os culpados seriam punidos, “doa a quem doer”.
Só o ajuste?: Lula e o PT reclamam que o ajuste fiscal não pode ser um fim em si mesmo e cobra boas notícias para a população.
Ouvidos de mercador: Lula diz a aliados que Dilma não leva em conta suas opiniões.
Volume morto: Em junho de 2015, em reunião fechada com religiosos em seu instituto, o ex-presidente critica duramente Dilma e atribui ao governo dela, sobretudo no segundo mandato, a crise vivida pelos petistas. Para Lula, as taxas de aprovação de Dilma e dele próprio estão no “volume morto”, e a do PT, “abaixo do volume morto”, numa referência à crise hídrica paulista.
Outras prioridades: Diante da maior crise econômica em 20 anos, Dilma e PT optam por caminhos distintos. Dilma passa a defender medidas como a reforma da Previdência e a redução da participação obrigatória da Petrobras no pré-sal, contrariando bandeiras históricas do partido.
2016
Ausência: Em um dos momentos de maior tensão entre Dilma e o PT, ela estica uma visita ao Chile e não comparece, em fevereiro, na comemoração dos 36 anos do partido, no Rio.
Reaproximação na crise: A ameaça do impeachment de Dilma a reaproxima, num primeiro momento, do seu partido. Porém, após o Senado aprovar o afastamento da presidente, confirmando votação da Câmara dos Deputados, o PT se desmobiliza e, com o discurso do “golpe”, passa a priorizar sua sobrevivência nas eleições de 2018.