Entre um capítulo e outro da novela "Velho Chico"(o rio da minha aldeia), tenho acompanhado, também, com atenção, cada lance das presepadas (para usar uma expressão bem soteropolitana que o folhetim do coronel Saruê na TV repôs no dia a dia) do prefeito Eduardo Paes (PMDB-RJ), nestes dias pré-olímpicos de julho no Brasil. A desta semana foi a "guerra dos cangurus”, declarada contra atletas da delegação da Austrália, que reclamaram contra precariedades dos alojamentos a eles destinados na Vila Olímpica dos Jogos do Rio.
Sigo tudo isso de Salvador, à beira da esplêndida Baia de Todos os Santos. Portanto, em cômoda posição de observador: a mais de mil e seiscentos quilômetros de distância da não menos espetacular Baia da Guanabara (apesar das toneladas de sujeiras, dos engodos e desenganos, que as duas preciosidades da natureza, tão generosa com o país, escondem nas suas profundezas. Ou que exibem, dramaticamente, em suas superfícies, depois de anos e anos de abandono e malfeitos de seus administradores públicos e aproveitadores privados.
Maldades e desvios históricos acumulados, que exigiriam uma Lava Jato – e um juiz Sérgio Moro à frente com a Polícia Federal no apoio decidido – para por cobro a tamanho descalabro. Enquanto algo assim não acontece, o histriônico prefeito carioca vai esgotando o seu estoque de manjadas malandragens. Fenômeno, aliás, bastante parecido com o que acontece com o seu notório aliado e amigo do peito - o ex-presidente Lula (os dois tarimbados especialistas na arte de morder para depois assoprar). À exemplo do que ficou demonstrado, também, na mais recente e patética passagem pelo Nordeste do ex-todo-poderoso mandatário do país, fundador do PT. O fraseado repetitivo e "dejá vu” não mais empolga. D&aacu te; sinais de ter perdido o velho charme.
Antigas piadas perderam a graça. As desgastadas mágicas não guardam mais segredos, não funcionam mais nem deslumbram o público como antes.
Provavelmente por estes motivos, ao tempo em que o MST e outros aliados e assessores anunciam novo périplo pelo Nordeste do ex-presidente (em palpo de aranha com a Lava Jato e outras operações policiais de investigação), Lula trata de reforçar seu repertório de apelos e truques políticos e pessoais. Vai testar nos palanques do novo tour nordestino, marcado para começar no dia 3 de agosto, em Porto Seguro, na Zona do Descobrimento, no sul baiano, com o propósito de reforçar candidatos petistas e "dos movimentos sociais”, na campanha municipal que se aproxima. E, evidentemente, defender-se a si próprio.
Esta semana, Lula conseguiu surpreender muita gente, ao recorrer na quinta-feira, 28, ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) contra o que considera “violações da Operação Lava Jato” cometidas contra ele. Os advogados do ex-mandatário protocolaram petição em Genebra, na Suíça, na qual destacam “supostos abusos de poder cometidos pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba”, conforme assinala o jornal espanhol El Pais. "Lula está recorrendo à ONU, porque ele não conseguiu Justiça no Brasil sob o sistema inquisitorial em vigor", justifica o advogado anglo-australiano Geoffrey Robertson, um dos assinantes da petição, famoso por sua atuação na defesa do boxeador Mike Tyson e do ativista Julian Assange, do Wikileaks, atualmente refugiado na sede da embaixada do Equador, em Londres.
Sem dúvida, um lance internacional caro e de alto risco para Lula, ao buscar ressonâncias e respaldos fora do país, para os dilemas graves de ordem política e moral que ele enfrenta aqui dentro.
O juiz Sérgio Moro, de comprovada capacidade técnica e notório rigor ético e jurídico, hoje um nome de renome e reconhecimento mundial, seguramente não será uma presa fácil neste jogo. Mesmo estando à frente dos peticionários, em defesa do petista, o afamado advogado anglo- australiano. E estamos de volta à “guerra dos cangurus” do começo deste artigo. No caso de Eduardo Paes, o prefeito do Rio vai tentando levar na valsa as críticas severas, suspeitas e acusações que se acumulam contra ele às vésperas da abertura dos Jogos Olímpicos, com repercussão internacional. Ou na base do samba de breque, mais de acordo com o gosto dos antigos malandros das gafieiras do boêmio bairro da Lapa, onde praticamente tudo se resolvia em volta de alguns copos de cerveja ou entre goles de cachaça
Incomodado com as reclamações dos atletas quanto aod alojamentos, reagiu com uma "tirada” que, provavelmente, teria feito sucesso em outro tempo e em outras circunstâncias em terras cariocas. Disse que poderia “mandar buscar uns cangurus para ficar pulando na frente da Vila Olímpica, e assim agradar aos visitantes". Pegou mal, muito mal, como se viu. A reação em cadeia, alertou o prefeito, amigo de Lula. para o perigo. E logo, Paes tratou de providenciar uma patética cerimônia midiática, para pedir desculpas públicas aos visitantes. E tudo terminou em pizza, ou, para ser exato, em troca de presentes e beijinhos no rosto de parte a parte. Uma espécie de Itararé, a batalha que não aconteceu.
O ex-governador Leonel Brizola, ao retornar do longo exílio político que enfrentou, costumava dizer que, em suas viagens pelo mundo, jamais encontrou país tão parecido com o Brasil quanto a Austrália, nem povo tão parecido com o brasileiro, quanto o australiano. Então até correu a frase (não tenho certeza se de autoria do ex-governador do Rio, notável frasista político): "A Austrália é o Brasil que deu certo”. Só sei que, esta semana, algumas semelhanças ficaram evidentes, embora não da forma mais apropriada, como Brizola preconizava em suas entrevistas e discursos. Vamos ver, agora, no caso do advogado australiano que irá defender Lula na ONU. Mas isto &eac ute; outra história, na qual o oponente será o juiz Sérgio Moro. É bom tirar os cangurus do meio. A conferir.
Eduardo PAes e Lula (Foto: Michel Filho / Agência O Globo)