Drew Angerer/AFP | |
Phil Knight, cofundador da Nike, autor de 'Shoe Dog' |
RODOLFO LUCENA - Folha de São Paulo
Ela era linda, leve e solta. Não loira: seus cabelos escuros eram selvagens como ela, vestida em jeans puídos e camiseta desbotada, olhando o mundo com grandes olhos marrons, quase negros. Estudava filosofia.
Ele a conheceu na subida do monte Fuji, metade no caminho montanha acima. Na volta, ela deixou para trás o companheiro que levava, seguiu com ele para outra jornada de descoberta em um simpático hotelzinho no Japão.
Foi uma paixão vulcânica para o jovem que viajara o mundo, mas até então não tivera um romance. Quando juntos, não se desgrudavam; quando separados, trocavam cartas quase diárias: saudades doloridas, amor eterno.
O desastre veio por telefone. Ela chamava de Maryland, na costa leste dos Estados Unidos, ele ouvia no Oregon, do outro lado do país.
"Não vai dar", ela disse. "Você não é sofisticado o suficiente para mim", foi a destruidora frase que despachou, desligando antes de ouvir qualquer resposta.
Não foi a primeira rejeição sofrida por Phil Night, o cofundador da Nike. Não seria a última. E, se essa lhe doeu no coração, outras fariam estrago em suas finanças e na sua reputação.
Em 1975, a empresa já tinha lojas em vários pontos emblemáticos dos Estados Unidos –Berkeley, Los Angeles, Portland-e pela primeira vez faria um pagamento de US$ 1 milhão por calçados esportivos que importava.
Sofria com fluxo de caixa e teve de fazer arquitetura financeira para bancar o cheque, drenando fundos de várias contas para cobrir a dívida, segurando pagamentos de funcionários, deixando de honrar salários e débitos com fornecedores. As manobras foram por demais ousadas para o Banco da Califórnia.
"Senhores, decidimos que não queremos mais ter sua empresa como cliente de nosso banco", disse na lata o burocrata para o jovem empreendedor.
O banco não ficou na simples despedida: congelou os fundos que sobravam na conta e anunciou que não honraria mais os cheques emitidos pela empresa. Como cereja estragada sobre o bolo roto, também informou o FBI dos procedimentos da Nike: "Achamos que isso pode ser caracterizado como fraude bancária".
Contadas com emoção e humor, em ritmo de aventura, as histórias estão em "Shoe Dog - A Memoir by The Creator of Nike" (Louco por calçados, memórias do criador da Nike, em tradução livre).
No livro, lançado em abril nos Estados Unidos e ainda frequentador das listas dos mais vendidos do "The New York Times", Phil Night faz um balanço de sua carreira e da empresa que construiu, hoje uma das gigantes do mundo corporativo, onipresente no planeta esporte.
Pinta sua jornada com cores épicas, a epopeia de um jovem sonhador contra as tramoias da burocracia estatal, a ganância dos bancos, os estratagemas pouco limpos da concorrência, a perseguição dos cobradores de impostos.
A tudo enfrenta com a fibra de corredor forjado na escola de Bill Bowerman, líder dos Homens do Oregon, espécie de cientista louco do esporte, cofundador da Nike.
Não por acaso, uma frase do treinador -que definia a si mesmo como professor de respostas competitivas-permeia o livro como palavra de ordem, mantra repetido em momentos cruciais.
"Os covardes nem sequer começaram, e os fracos morreram pelo caminho –sobramos nós." Sem pompa e circunstância, poderia ser traduzida em língua de rua: "É nóis, mano! Vamo que vamo!".
Knight conta como surgiu o nome da empresa -a ideia apareceu em sonhos para Jeff Johnson, o primeiro funcionário em tempo integral da companhia- e fala sobre a criação do famoso logotipo, o "swoosh", representação imagética de um zunido, do "som que um corredor faz quando te ultrapassa".
Lembra o processo de abertura de capital -um passo que a empresa evitou por anos, pois, ainda que precisasse de recursos como alguém precisa de sangue e oxigênio, seu criador temia ser obrigado a abrir mão do comando das operações.
Cita números do sucesso, que também dão ideia de como dividiu a propriedade da companhia. Dias depois do IPO, no início de dezembro de 1980, Knight passou a ser um homem de US$ 178 milhões; Bowerman, cofundador, viu sua fortuna chegar a US$ 9 milhões. Funcionários pioneiros, membros da diretoria, enriqueceram US$ 6 milhões de um dia para o outro.
VEXAME
O criador do império não deixa de tocar na parte mais vergonhosa da história de sua criatura, que ao longo de décadas teve como fornecedoras fábricas da Ásia que empregavam trabalho quase escravo e mão de obra infantil.
A empresa só começou a tomar medidas corretivas depois de denúncias se espalharem pela imprensa, no início da década de 1990. Mesmo assim, demorou anos. E sua reação inicial foi de negação -a mesma de Knight no livro.
"Sempre que falavam que as condições de uma fábrica eram insatisfatórias, os repórteres nunca diziam o quanto elas tinham melhorado; nunca diziam que essas fábricas não eram nossas, que éramos apenas clientes como tantos outros..."
Apesar de acabar admitindo o vexame, Knight não chega a repetir em suas memórias a constatação que fez em um pronunciamento em 1998: "Os produtos da Nike se tornaram sinônimo de trabalho escravo, horas extras obrigatórias, abuso e arbitrariedade".
A Nike deu a volta por cima, ainda que organizações defensoras de direitos humanos continuem eventualmente a apontar problemas em fábricas terceirizadas. O que parece indicar -assim como o tom empregado por Knight em "Shoe Dog"– que não se trata de página virada na história da companhia.
Shoe Dog
AUTOR Phil Knight
EDITORA Scribner
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