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O candidato democrata à vice-presidência dos EUA, Tim Kaine, discursa na convenção na Filadélfia |
MATT FLEGENHEIMER
DO "NEW YORK TIMES"
DO "NEW YORK TIMES"
O senador Tim Kaine foi até o microfone, um pouco hesitante, para dar início à sua inserção nacional em Miami com um conjunto completo de artifícios constrangedores.
Ele acenou com as duas mãos. Disparou um cordial gesto de euforia com o punho. Um sinal de positivo foi rapidamente abortado.
Mas, quando começou a enumerar os agradecimentos no sábado (23) passado–à multidão, à cidade, à universidade que o recebeu– uma calma súbita parecia chegar. Ele fez uma pausa, balançando a cabeça, e deixou cair os ombros, abrindo as palmas das mãos com um gesto de "veja como sou legal".
"Bienvenidos a todos!", gritou. Sejam todos bem-vindos. E também seja bem-vinda a estreia nas eleições gerais de uma querida metáfora política: o ostensivo domínio do espanhol por pessoas brancas ansiosas.
Quando Hillary Clinton considerou Kaine como seu companheiro na chapa democrata, o fato de ele ser bilíngue foi fundamental para a escolha, uma habilidade invocada várias vezes quando os céticos se perguntaram sobre a promoção de outro político branco do sexo masculino em um partido que se orgulha da sua diversidade.
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A candidata democrata à Presidência, Hillary Clinton, e seu vice na chapa, Tim Kaine, na Flórida |
Até agora, Kaine, o senador da Virgínia que já trabalhou com missionários jesuítas em Honduras, tem se destacado nesse quesito, ao ganhar altas notas por sua proficiência e sofisticação em espanhol. "Melhor do que alguns hispânicos no Congresso", escreveu Ana Navarro, estrategista republicana e comentarista da CNN.
Durante o discurso de Kaine na convenção da noite de quarta-feira, o senador inspirou algumas das mais altas aclamações quando passou ao espanhol. Ele disse que aprendeu os valores de "fé, família e trabalho" como voluntário na América Central. Ele considerou que Hillary e ele são "compañeros de alma" –almas gêmeas.
E, perto do fim, ele a proclamou "lista", que significa "pronta", "preparada", em espanhol, e disse que não havia maior elogio do que esse quando ele morava em Honduras. E defendeu que Hillary encarnava esse espírito.
No entanto, a adoção do espanhol por políticos raramente está isenta de riscos, ao abrir a brecha para questionamentos sobre autenticidade, acusações inevitáveis de proselitismo e um potencial uso exagerado.
Como presidente e candidato, George W. Bush falou com evidente confiança e frequente indiferença gramatical. "George W. Bush foi o primeiro presidente dos EUA a pensar que falava espanhol", disse Jorge Ramos, influente âncora do noticiário da rede Univisión, de língua espanhola.
Ramos evocou uma "síndrome de Cristóvão Colombo" eleitoral, o redescobrimento dos eleitores hispânicos durante cada ciclo presidencial. "O proselitismo em castelhano", disse ele, "ocorre a cada quatro anos".
Durante esta eleição, a aflição vem sendo bipartidária. A campanha da democrata recebeu comentários sarcásticos ao produzir uma lista intitulada "7 coisas que Hillary Clinton tem em comum com sua 'abuela'". "Abuela" significa avó. Rapidamente surgiu a hashtag #NotMyAbuela (Não é minha avó).
As primárias republicanas foram muitas vezes mais pesadas em relação às suas capacidades bilíngues, com dois candidatos importantes brandindo suas raízes cubanas e um terceiro, o ex-governador Jeb Bush, da Flórida, muitas vezes parecendo estar mais à vontade ao falar sua segunda língua do que a primeira.
"Pegue o teléfono!", disse Jimmy Fallon a Bush durante sua aparição no "Tonight Show" no ano passado. "Sei que você acabou de voltar de Miami, mas não achei que estava entrevistando o governador Pitbull."
Donald Trump rapidamente castigou Bush, cuja mulher nasceu no México, por levar o espanhol à campanha. "Este é um país onde se fala inglês", ele disse em um debate, e destacou a última palavra, "não espanhol".
Até políticos latino-americanos não estão sendo imunes a problemas sobre quando e quão bem falam o idioma. Em outro debate republicano, o senador Ted Cruz, do Texas, filho de um imigrante cubano, disse que o senador Marco Rubio, da Flórida, tinha o hábito de emitir uma mensagem diferente sobre imigração quando falava a um público de língua espanhola.
"Não sei como ele sabe o que eu disse", Rubio contra-atacou. "Ele não fala espanhol." Cruz, que não falava muito espanhol na adolescência, aceitou o desafio, de forma corajosa, ainda que um pouco deselegante, de acordo com os ouvintes de língua espanhola. Ele convidou Rubio, em espanhol, a falar o idioma no palco.
O alcance latino-americano de Trump tem sido limitado. Parecia crescer em maio, quando ele posou –um polegar para cima, o outro segurando um talher– com o que chamou de uma tigela de tacos de um dos seus restaurantes.
"Eu amo hispânicos!", escreveu no Twitter. Eles não o amam –uma realidade que pode ajudar a explicar de uma vez a escolha de Kaine por Hillary, que espera garantir uma margem de vantagem enorme entre os eleitores hispânicos, mas que também poderia mostrar que o apelo de Kaine é supérfluo.
Uma pesquisa ABC News/"Washington Post", no mês passado, indicou que 89% dos hispânicos têm opiniões negativas sobre Trump, que, sucessivamente, acusou o México de enviar estupradores para o outro lado da fronteira e questionou a imparcialidade de um juiz de ascendência mexicana.
Ramos creditou a George W. Bush a aceleração de uma mudança política em direção ao aprendizado do espanhol, para ajudar a reduzir algumas jogadas menos palatáveis aos votos latinos –que pesam a mão em "tacos, mariachi e sombreros (chapéus)", disse Ramos.
Ele não disse nada sobre tigelas de tacos.