O Globo
Uma possível origem da palavra larápio vem do pretor romano Lucius Antonius Rufus Appius, que se assinava L.A.R. Appius e passava sentenças favoráveis a quem melhor por elas pagasse
Grandes questões
Uma das grandes questões para o escritor é sobre o que escrever. Seja ele ficcionista, poeta ou jornalista, o tema é ponto fundamental. Ainda que para qualquer escritor que se preze a maneira como se escreve seja muito mais importante do que o assunto sobre o qual se escreve, a motivação para o exercício da escrita é invariavelmente deflagrada pela escolha do tema. Não pense que disserto sobre o assunto por falta de um — não sou daqueles que gostam de tematizar o perene lugar-comum da “falta de assunto”—, pelo contrário, são tantas as matérias que me permeiam o cérebro que me permitirei tratar de várias delas. Hemorroidas, por exemplo.
Hemorroidas
Estranho. Com tantos temas urgentes pululando por aí, clamando por uma abordagem, disputando a tapa a oportunidade de protagonizar uma manchete e recorro a prosaicas e recônditas hemorroidas? Eu não. Na verdade a escolha deve ser creditada a Drauzio Varella, que na semana passada escreveu na “Folha de S.Paulo” uma crônica contundente sobre o assunto. Se eu já era fã do Drauzio, agora fiquei mais ainda. Admiro um escritor que consegue encontrar um tema surpreendente. E mesmo que se argumente que Drauzio, por ser médico, tem mais autoridade para dissertar sobre questões fisiológicas, ainda assim aplaudirei com veemência qualquer escritor que consiga escrever sobre hemorroidas com fluência literária e riqueza de estilo.
Lucius Antonius Rufus Appius
Por falar em hemorroidas, o que foi a participação do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa na CPI que investiga as falcatruas na estatal? O que chama a atenção na figura de Paulo Roberto, além do vistoso bigode, é a postura arrogante e o olhar desafiador. Praticantes dos chamados crimes de colarinho branco costumam agir como se fossem vítimas e fazem parecer que somos injustos por interpretar seus atos como criminosos. Como se desviar milhões de dinheiro público para o próprio bolso fosse algo aceitável e nós não tivéssemos sofisticação suficiente para compreender os meandros do “sistema”. “Isso não é pro bico de vocês”, eles parecem dizer. “Não me encham o saco com seu moralismo rastaquera, otários”, é possível ouvi-los sussurrar, quando são mostrados rapidamente pela TV, exibindo semissorrisos cínicos, entrando ou saindo de delegacias com a desenvoltura de chefes de estado. “Sei de coisas que podem desestabilizar a República”, jactam-se. São tão larápios quanto qualquer ladrão pé-rapado, mas se dão ares de imponência.
Aliás, numa consulta ao dicionário, fico sabendo que uma possível origem etimológica da palavra larápio vem do pretor romano Lucius Antonius Rufus Appius, que se assinava L.A.R. Appius e passava sentenças favoráveis a quem melhor por elas pagasse. Tem coisa que parece piada, mas não é.
Dignidade
“Wim Wenders e aprendendo”, diz um dos produtores do documentário “O sal da Terra” na rápida apresentação que antecedeu a exibição do filme na abertura do Festival do Rio. O produtor se referia ao pitoresco trocadilho usado no Brasil, uma merecida e bem-humorada homenagem ao grande cineasta alemão. Codirigido por Juliano Ribeiro Salgado e Wim Wenders, “O sal da Terra” mostra a trajetória do fotógrafo Sebastião Salgado. A ideia de Juliano, filho de Sebastião, de convidar o diretor alemão para auxiliá-lo na feitura do documentário provou-se acertada. Wim Wenders participa do filme como uma sombra, uma voz misteriosa que, num inglês de sotaque alemão, nos conduz pelas imagens impressionantes das fotografias de Sebastião. O olhar de Wenders é o olhar “externo”, que nos permite compreender a jornada do mineiro que não só ganhou o mundo, mas ousou desvendá-lo. O que se revela no filme é muito mais do que a brilhante carreira de um fotógrafo excepcional. Em “O sal da Terra” — citação bíblica que se refere aos homens — refazemos a peregrinação de Sebastião Salgado em busca de imagens de degradados e oprimidos em diversos desvãos do planeta. Mesmo, quando fotografa crianças mortas, ou um homem que lava o corpo sem vida da esposa esquálida, Sebastião Salgado nos transmite o sentimento de profunda dignidade e respeito ao ser humano. Essa odisseia pelos infernos da opressão e degradação levou Sebastião a um desencanto imobilizador, do qual só se recuperou pelas imagens de um mundo selvagem, pré-humano, em fotografias que não mais revelam o homem, mas a terra que absorve suas cinzas. É emocionante ver Sebastião e sua esposa e parceira Lélia reflorestando a fazenda em que Sebastião nasceu, pois ali, em suas palavras, se completa o ciclo de sua existência.
Propaganda eleitoral
Depois de amanhã, terça-feira, estarei das 19h às 22h no Pub Escondido, Rua Aires Saldanha, 98, Copacabana, autografando “Bellini e o labirinto”. Se não tiver nada melhor para fazer no horário da propaganda eleitoral obrigatória, apareça.