Toda a gente ri com a história clássica sobre a noite nupcial de John Ruskin (1819-1900).
Relembro: Ruskin, um dos mais importantes críticos culturais da Inglaterra vitoriana, casou em 1848 com Effie Grey. Mas, na noite de núpcias, ao ver a mulher despida, o pobre Ruskin pulou da cama e fugiu de susto. Motivo?
O excesso de pilosidade na genitália da senhora. Ruskin nunca tinha estado com uma mulher "au naturel". Apenas conhecia as estátuas que admirava no Museu Britânico —as ninfas gregas que eram mostradas ao público na versão "Brazilian wax".
Ninguém tinha explicado ao pobre Ruskin que, excetuando bebês e crianças, as mulheres reais tinham pelos e as estátuas, não.
Oh well: a história é provavelmente apócrifa. Mas confesso que nunca entendi por que motivo o mundo se ri alarvemente dela. Sobretudo aquela parte do mundo que, saturada em pornografia e outras idealizações sexuais, acaba por brochar e até fugir quando tem uma mulher na cama de verdade.
Tempos atrás, assisti a um documentário televisivo que ilustra bem o "fenômeno Ruskin". Intitula-se "O Império dos Sem Sexo", foi dirigido pelo Pierre Caule e era um retrato sobre os hábitos sexuais no Japão. Havia de tudo.
Para começar, um negócio pujante de bonecas artificiais para todos os gostos e bolsas. Por € 10 mil (mínimo, cerca de R$ 30 mil), o cliente podia escolher o tamanho dos seios, a forma da bunda, o desenho dos lábios e outras minudências físicas, como a cor do cabelo, dos olhos e até dos mamilos.
O produtor dessas encantadoras aberrações falava com orgulho das vantagens das bonecas: eram obedientes; não precisavam de "despesas de manutenção" (como jantares românticos ou presentes de aniversário, por exemplo); e nunca ficavam bravas se, depois da intimidade (digamos assim), o homem optasse pelo ronco imediato.
Mas o melhor do documentário nem sequer passava por esses casos extremos. Bastava os banais. Como a história de um infeliz que, todos os dias, depois do trabalho, optava por frequentar "sex shops" e ver uma filmografia apimentada só para não ter que voltar demasiado cedo para a mulher.
Verdade: o documentário não mostrava a mulher. Mas desconfio que nem uma Scarlett Johansson animaria o infeliz: um filme e um pacote de lenços de papel eram preferíveis a qualquer Johansson deste mundo.
Confrontados com o cenário, a atitude imediata seria imaginar que essa forma de tédio ainda não chegou às fronteiras do Ocidente.
Seria um erro. Aliás, uma pesquisa recente do jornal "The Observer" chega e sobra para ilustrar esse erro com a libido dos ingleses. Sim, eu sei: falamos de ingleses. E, na cabeça dos eruditos, existe sempre a conhecida frase "sex, no, we're English".
O problema é que nem sempre foi assim. Antes de 2008, ou seja, antes da falência do Lehman Brothers e da crise financeira internacional, os nativos tinham uma média de sete relações sexuais por mês.
Hoje, desceu para quatro —qualquer coisa como uma relação por semana. Isso, claro, para falarmos dos "ativos". Porque uma parcela razoável (" dos inquiridos) nem sequer chega a uma relação por ano. Como explicar o deserto?
Os especialistas na matéria puxaram pelas respectivas cabeças e falaram de tudo: a crise econômica chegou aos lençóis; a pressão sobre os homens para serem mais "femininos" e ajudarem nas tarefas domésticas arruinou a testosterona dos machos; e o consumo alarmante de pornografia transformou o ato, a naturalidade do ato, em algo que não possui a mesma grandeza insana —e a mesma dureza peniana— da ficção.
Admito que tudo isso seja verdade. Mas existe uma verdade mais básica que tornou possível todas essas possibilidades: uma cultura que fez da "dessacralização" do sexo a sua obsessão, acabou com todas as obsessões. Acabou, no fundo, com o tipo de "tabus" que os nossos avós reservavam para o quarto.
Resultado?
Uma paisagem saturada em sexo foi matando o único afrodisíaco que não se compra na farmácia: o desejo.
Ou, em linguagem mais prosaica, a vontade simples de estar, descobrir e transgredir com uma pessoa real. Não com uma boneca japonesa. Muito menos com uma estátua pelada. E depilada.