terça-feira, 30 de setembro de 2014

O mundo e a futura Presidência: O que pensam Aécio, Dilma e Marina sobre como o Brasil deve lidar com os outros países

Carlos Eduardo Lins da Silva - Epoca


OS QUE  DÃO CERTO Os presidentes de Peru, Chile, México e Colômbia, nossos vizinhos promissores. Vamos nos aproximar deles? (Foto: Reuters)
Entre 1995 e 2011, a relevância do Brasil no mundo atingiu dimensões sem precedentes. Isso ocorreu, em grande medida, pelas transformações na geopolítica global após o fim da Guerra Fria, pelo ocaso do breve unilateralismo americano, pela ascensão econômica e pela inserção da China nos organismos mundiais de comércio, pela crise financeira que afetou os países desenvolvidos e fez crescer a importância relativa dos emergentes. Essa projeção também ocorreu porque, ao pensar no país no plano global, os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva tinham ambições audaciosas, ainda que distintas. Tinham também gosto por tentar realizá-las e credenciais biográficas e políticas para tanto. Na gestão de Dilma Rousseff, a preeminência do Brasil alcançada nos 16 anos anteriores decaiu. Ela nunca demonstrou aptidão nem apetite para alçar o país a patamares superiores àquele em que o encontrou quando assumiu a Presidência. Não tomou novas iniciativas dignas de nota, não avançou em caminhos que seus predecessores haviam iniciado – e viu diminuir a importância do país no comércio global e na América do Sul (onde produtos chineses tomam mais e mais fatias do mercado dos brasileiros). Agora, é o momento de refletir: como será a política externa nos próximos quatro anos?
O exame dos programas de governo dos principais candidatos à Presidência mostra diferenças importantes. A atual presidente e candidata oferece no programa de governo aquilo que, a seu ver, será a continuidade da “profunda mudança na presença do Brasil no mundo”, que ela credita a seu próprio governo e ao de Lula. Promete dar atenção prioritária a América do Sul, América Latina, Caribe, África, países asiáticos e árabes. Só depois a Estados Unidos, União Europeia e Japão (curiosamente colocado à parte dos “países asiáticos”).
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O programa de Aécio Neves (PSDB) declara como primeiro objetivo “restabelecer o tradicional caráter de política de Estado” (da política externa), “visando ao interesse nacional, de forma coerente com os valores fundamentais da democracia e dos direitos humanos”. Também diz que fará uma “reavaliação das prioridades estratégicas” que resultará em “atenção especial” para, pela ordem, Ásia, EUA e outros países em desenvolvimento. Propõe também ampliar e diversificar a relação com os países em desenvolvimento e reexaminar “as políticas seguidas no tocante à integração regional”.
CONECTADOS Fábrica de caminhões na China. O que ocorre do outro lado do mundo nos beneficia e nos prejudica (Foto: Jianan Yu / Reuters)
O programa de Marina Silva (PSB) diz que sua política externa estará “a serviço do desenvolvimento”, não ficará “refém de facções ou agrupamentos políticos” e refletirá “convergências sociais e multipartidárias”. Ela promete negociar acordos comerciais regionais e bilaterais, além da Organização Mundial do Comércio (OMC). Sua ordem de prioridade para outras regiões do mundo, além da vizinhança, é: EUA, União Europeia, China, demais Brics (Rússia, Índia, China e África do Sul) e o restante da África.
Enquanto Dilma afirma apenas que “fortalecerá” o Mercosul, Aécio se propõe a “flexibilizar” as regras do bloco, “a fim de poder avançar nas negociações com terceiros países”, e Marina promete que proporá mudanças para que o “Mercosul se converta em ator dinâmico do comércio internacional” (entre elas desconsiderar a exigência de negociação conjunta de acordos comerciais e articular sua associação com a Aliança do Pacífico – a união de Chile, Colômbia, México e Peru).

Nos três, há alguns tópicos interessantes além de política comercial. Dilma menciona a construção de “mecanismos que protejam todas as formas de comunicação – a internet em particular – e assegurem a privacidade da cidadania, das empresas e dos governos”, reflexo de rara ocasião em seu governo em que ela obteve preeminência internacional (ao reagir à revelação de que a agência americana NSA a espionara).

Aécio dedica quase metade do capítulo de relações exteriores à defesa nacional, com ênfase na “defesa das fronteiras, em especial na região amazônica, e das plataformas de produção e de perfuração em nosso mar territorial”, talvez para realçar seus compromissos nacionalistas.

Marina afirma que o Brasil deve assumir “um papel de vanguarda” nos fóruns multilaterais que tratam do desenvolvimento sustentável e promete “pôr abaixo a leitura estática do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, que, argumenta, fez o país acomodar-se “em parcerias com os grandes poluidores”.

Uma constatação imediata da leitura dos programas é que o tema tem baixo nível de prioridade para os candidatos, pelo espaço que ocupa. Questões externas raramente ocupam a mente do eleitor brasileiro. O Brasil tem tradição insular, pelas peculiaridades de sua geografia, história e cultura. Mas é evidente que o isolacionismo no século XXI é atitude irrealista e perigosa para qualquer país, por maior que seja. Seus líderes e candidatos a líderes deveriam saber disso.