Luís Lima - Veja
Erros, atrasos e vazamentos geraram crise de imagem em institutos como IBGE, Ipea e Inep (Jupiterimages/VEJA)
Num intervalo de menos de seis meses, o Brasil assistiu a dois de seus principais órgãos públicos de pesquisa, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cometerem erros com efeitos desastrosos. Em ano eleitoral, revisar números sensíveis à promoção de políticas públicas envia sinal ruim à sociedade e suscita dúvidas. Afinal, está em jogo a credibilidade de instituições que são, ou deveriam ser, as principais provedoras de dados oficiais do país.
O mais recente deslize foi há uma semana e provocou revisões na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) referente ao ano de 2013. Um erro no cálculo do peso de algumas regiões na amostragem resultou na divulgação de indicadores incorretos, incluindo o índice Gini, que mede a desigualdade social no país. Cinco meses antes, situação parecida foi vivenciada pelo Ipea, quando o instituto revisou um dado divulgado em março, que indicava que 65% dos brasileiros concordariam total ou parcialmente com a ideia de que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser estupradas. O dado correto era 26%. “Estes erros demonstram que é necessário ter mais atenção e implementar mais critérios de checagem. Todos que trabalham com grandes massas de dados estão sujeitos a errar, mas as rotinas de crítica e checagem servem para, pelo menos, minimizar essa probabilidade”, destacou Flávio Benevett Fligenspan, professor de economia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Se os problemas envolvendo IBGE e Ipea fossem os únicos, já seriam razão para uma revisão rigorosa nos processos de apuração, checagem e divulgação de pesquisas. O problema é que as inconsistências são recorrentes em outros órgãos de pesquisa de áreas igualmente sensíveis, como educação, saúde e energia. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) atrasou em quase um mês a divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), um dos principais indicadores da qualidade do ensino no Brasil. Depois que o jornal O Globo questionou a demora, os dados foram anunciados. Antes disso, o instituto se envolveu em pelo menos três grandes escândalos relacionados a vazamentos do Enem. Para Jacqueline Quaresemin de Oliveira, diretora do instituto de pesquisa Opinare, o desgaste que erros podem causar às entidades citadas é, muitas vezes, irreversível. “Perder a legitimidade, a isenção e orçamento pode colocar em cheque uma série de ações e políticas públicas que o Estado deve cumprir com a sociedade”, afirma.
O site de VEJA fez um levantamento com os principais erros cometidos pelos institutos durante a gestão petista. Em apenas um deles, o Ipea, houve a destituição do responsável. A postura do governo diante dos deslizes tem sido, de certa forma, consistente com sua omissão contumaz. Há a promessa de apuração, mas logo tudo é varrido para debaixo do tapete. Neste aspecto, o caso do IBGE é o mais exemplar: pelo menos desde abril, o órgão tem sido alvo de clara ingerência. Senadores petistas propuseram a mudança de metodologia da Pnad Contínua, que mede a taxa de desemprego, justamente quando soube-se que o índice apurado em 2013 mostrava maior desocupação do que aquela verificada pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME). Ao episódio, sucederam-se greves e manifestações de técnicos do instituto. Em resposta, o governo, que gasta sem medida quando lhe é conveniente, reduziu o já enxuto orçamento para o IBGE no ano que vem. É um clássico: quando a mensagem não agrada, destrói-se o mensageiro.
Cinco institutos que 'pisaram na bola'
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IBGE
Presidente do IBGE, Wasmália Bivar
A corda no pescoço da presidente do IBGE, Wasmália Bivar, ficou ainda mais apertada após o desgaste gerado pela correção de dados Pnad de 2013, na semana passada. Um erro no cálculo do peso de sete regiões (Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul) na amostragem resultou em indicadores incorretos. Para o instituto, uma falha "grave". Para a ministra do Planejamento, Miriram Belchior, um "choque". Já Para a presidente Dilma, um erro "banal". O índice Gini, por exemplo, que mede a desigualdade no país, foi revisado de 0,498 para 0,495; em 2012 havia sido de 0,496. Ou seja, em vez de indicar leve alta, o resultado caiu 0,001 ponto porcentual, o que, segundo economistas, ainda reforça um cenário de estagnação da distribuição de riqueza. Ana Magni, diretora-executiva do sindicato de funcionários do IBGE (Assibge-SN), disse ao site de VEJA que os deslizes foram provocados pela pressão elevada sobre um quadro de funcionários reduzido. Ela lembra que, em 1990, o instituto contava com 14 mil colaboradores efetivos - o equivalente ao quadro atual do instituto nacional de estatísticas do México -, e que hoje esse número não alcança 6 mil. Outro agravante é que 70% deste total deve se aposentar nos próximos anos, já que têm mais de 26 anos de casa. "É um problema estrutural e generalizado, que tem uma repercussão muito dramática sobre o grande volume de dados que produzimos na sociedade. Nosso receio é de que, estrangulando mais as condições de trabalho, o cenário piore", afirmou.