sábado, 3 de junho de 2017

‘Reformas não são evento redentor’, diz Gustavo Franco

Vinicius Neder - O Estado de São Paulo


Gustavo Franco
Para Gustavo Franco, a recuperação da economia, na melhor das hipóteses, continuará em ritmo muito lento Foto: FABIO MOTTA | ESTADAO CONTEUDO



Alçado ao papel de protagonista no filme sobre o Plano Real que está em cartaz nos cinemas, o economista Gustavo Franco vê o futuro da economia mais “incerto” e “obscuro”, após a delação de executivos do frigorífico JBS atingir o presidente Michel Temer. Na análise do estrategista-chefe da gestora Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central (BC), a recuperação da economia, “na melhor das hipóteses”, continuará em ritmo muito lento. Uma retomada mais sustentada depende do aprofundamento das reformas, e Franco só vê saída após as eleições de 2018. A seguir, trechos da entrevista.
A economia cresceu no primeiro trimestre. A recessão ficou para trás?
A sensação é que esse crescimento está no retrovisor. A situação do futuro é mais obscura e mais incerta do que se imaginava. Havia um sentimento de alívio, de que as coisas estavam se acertando. A recuperação vinha sendo lenta, mas vinha. Depois do evento das gravações do presidente, aí é como se tivéssemos descido um degrau em matéria de expectativas. Já há muitas dúvidas sobre se o presidente vai continuar e em que termos. Em si, isso já é um enfraquecimento da confiança, cujos efeitos são difíceis de prever. Na melhor das hipóteses, continua essa recuperação muito lenta.
A política econômica está na direção correta?
A encrenca era muito maior do que todo mundo imaginava. E também, vamos combinar, as ambições não são especialmente grandes nesse governo. O trabalho fiscal, o trabalho de reformas, tem sido muito limitado. Não é uma quebra de paradigma. Estamos num regime de um feijão com arroz um pouquinho mais temperado.
A perspectiva de atraso nas reformas é a principal ameaça à recuperação?
As bases econômicas desse governo são a equipe econômica e o andamento das votações das reformas. Agora, há dúvidas muito concretas sobre as reformas, mas é preciso não esquecer que essas reformas não são o evento redentor do Brasil. São um capítulo de um drama que terá muitos outros capítulos. Não vamos resolver o nosso problema previdenciário todo de uma vez. Pode ser mais ou menos ambicioso, mas no ano que vem vamos ter de voltar ao tema, porque não vai se resolver tudo de uma vez. Da mesma forma, no campo trabalhista, será excelente se o que já foi aprovado se confirmar, mas isso é só o começo.
O governo atual não apoia totalmente os ajustes?
Essas ideias modernas, pró-mercado, ainda são vistas no Brasil como exóticas, estrangeiras. O capitalismo ainda não desembarcou no Brasil por inteiro. O choque de capitalismo continua pela metade. E comporta distorções que vimos nos últimos anos, que é o capitalismo de compadrio, de quadrilhas. Foi um baita retrocesso. A pauta de reformas é muito mais ambiciosa do que isso que estamos vendo aí. É algo que só vai aparecer em 2018, quando, eu espero, as ideias pró-mercado desembarcarão no debate eleitoral de uma forma mais explícita, de uma forma pura. Elas têm sido vitoriosas. Essas foram as ideias do Plano Real.
O PSDB, portador da bandeira dessas ideias, deveria defendê-las mais?
Eu acho. Hoje, o PSDB tem líderes jovens bastante pró-mercado. Me ocorre o prefeito de Porto Alegre (Nelson Marchezan Jr.), para não ir ao prefeito de São Paulo (João Doria), que é o exemplo mais comum hoje em dia. Como eles, há muitos outros Brasil afora. São centenas de prefeitos do PSDB com a cabeça bastante mais pró-mercado, pró-capitalismo, em sintonia com a globalização, do que antigamente. O partido perdeu muito do seu ranço social-democrata no sentido socialista estatista, que está presente em algum grau nos líderes mais antigos. O Brasil se renovou. O brasileiro acredita no seu próprio esforço, desconfia do Estado. Está irritado com o Estado grande, mentiroso e corrupto, que não entrega o que promete, atrapalha demais. A ideia de um Brasil mais horizontal, com menos Estado para interferir na competição e na meritocracia, é hoje popular, vencedora, apenas à espera de um veículo que a leve para o Palácio do Planalto.
O PSDB deveria desembarcar do governo?
Não tenho vivência partidária para avaliar. Compreendo o desejo dos líderes de assegurar que as votações da Previdência e da reforma trabalhista cheguem ao fim. O rompimento com o governo interrompe esse processo e inicia um processo de sucessão para transição, então vamos ter a transição da transição, para no fim colocar um presidente transitório para terminar o mandato. É transição demais e é uma perda de tempo. Então, se for possível terminar as votações, seria um ganho para o País. Agora, a decisão política de apoiar o presidente tem muito peso, é difícil diante do que todo mundo ouviu nas gravações.
A antecipação de eleições diretas ajudaria a economia?
Não acho, as soluções desse tipo nos fazem ficar mais parecidos com a Venezuela. Não há solução fora da Constituição.
A investigação sobre o senador Aécio Neves mina a capacidade do PSDB de defender reformas?
Não creio. As ideias pró-mercado não têm culpa se são apadrinhadas pelas pessoas erradas. Já o PSDB precisa lidar com o problema de forma objetiva e transparente, para que seus apoiadores não se sintam como o Tony Ramos (garoto-propaganda de campanhas da Friboi, principal marca da JBS).
A eleição de um outsider em 2018 seria boa ou ruim para a economia?
O próprio exemplo do Collor mostra que há perigos, mas, às vezes, o outsider é positivo, é o veículo de mudanças importantes, sobretudo se o sistema partidário está viciado, se está muito encrencado ou emperrado em modos antigos de ver o País. É o caso. Ou bem, internamente, os partidos vão se abrir um pouco mais para novas ideias, ou as novas ideias vão encontrar outra forma de penetrar no mundo partidário.
Mas reformas não são impopulares?
Fazer a coisa certa na economia é sempre popular, porque dá certo. Quando as condições materiais das pessoas melhoram, todo mundo fica feliz. O que está ocorrendo, no entanto, é que estamos trabalhando com uma agenda de reformas que é modesta e, claramente, se percebe que é um governo de transição, que não tem isso no seu DNA, é quase oportunista, então não comanda tanta confiança e entusiasmo quanto poderia, se fosse autêntico. Por isso, os efeitos têm sido limitados e a recuperação tem sido lenta. Um programa mais ambicioso de reformas, como suponho que vai vir com um novo presidente em 2019, poderá produzir impactos muito mais profundos na economia.
A Bolsa voltou a subir e o dólar, a cair, após o primeiro susto com a delação da JBS. O que explica a relativa calma nos mercados?
O pensamento do mercado tem sido surpreendentemente positivo diante da queda de Michel Temer, porque (os investidores) acham que, em 30 dias, teríamos outro presidente com a mesma equipe econômica. Vejam só o que é importante na cabeça dos agentes econômicos: não é o presidente, é a equipe econômica, são as ideias que a equipe econômica está adotando. Se isso é o importante, chega de intermediários, não precisa ter presidentes que não acreditam nisso. Acho que 2018 vai refletir isso melhor.