Com O Globo
Filho de deputado e com experiência de quase uma década no setor público, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), ainda se recusa a vestir o figurino de “político”, mesmo depois de seis meses no cargo. Durante quase duas horas e meia, o tucano expôs suas ideias sobre um modelo de gestão pública fundamentado na eficiência, na busca de soluções criativas para lidar com orçamentos baixos e nas parcerias com a iniciativa privada. Doria foi o convidado da sexta edição do encontro “E agora, Brasil?”, promovido pelo GLOBO, com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e apoio do Banco Modal, na Maison de France, no Rio, na última terça-feira.
O prefeito de São Paulo adotou um discurso liberal e defendeu o combate à burocracia como uma ação da área social. Segundo ele, o fim das amarras para empreender é um dos anseios da periferia. De acordo com o tucano, o tempo necessário para abrir uma empresa em São Paulo caiu de 128 para sete dias. A meta é, até o fim do ano, baixar esse prazo para cinco dias.
Doria disse que está cumprindo suas promessas de campanha, inclusive as mais polêmicas, como o combate à Cracolândia. Depois de uma operação policial na área onde centenas de pessoas consomem crack no centro de São Paulo, o prefeito anunciou o fim da Cracolândia, mas no dia seguinte os dependentes voltaram, e a situação segue sem solução.
— Tema espinhoso, tema não espinhoso. Estamos atacando todos — enuncia.
O evento foi mediado pelos colunistas Merval Pereira e Ancelmo Gois e teve a participação de empresários e editores do GLOBO.
Nesse tempo em que está à frente da Prefeitura de São Paulo, depois de disputar sua primeira eleição, Doria defendeu ter uma visão empresarial de condução da máquina pública, deixando de lado a influência política no preenchimento de cargos e na tomada de decisões.
Disse ter conseguido acabar com a fila de espera por exames médicos, que era de 19 meses, segundo ele, e reduzir de 67 mil para 59 mil o número de crianças fora da creche.
O objetivo é zerar esse déficit até março do ano que vem.
HORÁRIOS SEM USO NOS HOSPITAIS
O prefeito afirmou que a prioridade de sua gestão em São Paulo é a saúde:
— Elegemos a saúde como prioridade absoluta. O maior problema do país é a saúde pública.
Uma de suas vitrines é o programa Corujão da Saúde, que resolveu, diz Doria, o problema da espera para a realização de exames. A prefeitura fez convênio com 44 hospitais privados para utilização de sua capacidade ociosa.
— Não teve mágica, teve gestão. Identificamos que esses hospitais, com seus equipamentos, depois das 18h, 19h, estavam sem uso. Oferecemos aos hospitais tabela SUS (Sistema Único de Saúde), não pagamos um centavo a mais do que a própria prefeitura já tinha em seu orçamento — explicou o prefeito.
Atualmente, segundo ele, os exames emergenciais são feitos no limite de 30 dias e os demais, em 60 dias. A prefeitura iniciou, há cerca de 20 dias, a mesma lógica para a execução de cirurgias no município.
— Tenho 68 mil cirurgias pendentes, algumas há dois anos e meio. Já fizemos mais de 4 mil cirurgias em 19 dias nesse programa (Corujão das Cirurgias), ocupando espaço disponível nos centros cirúrgicos — afirmou o prefeito.
Doria citou como exemplo de outras parcerias com o setor privado a doação de medicamentos e de carretas adaptadas para fazer atendimentos médicos e exames. Esse modelo também é usado em áreas como educação e conservação urbana, informou o prefeito.
Ao ser questionado sobre a relação com as empresas doadoras, Doria disse que não há contrapartida, nem vantagens da prefeitura:
— Muitos empresários em São Paulo, como certamente aqui no Rio e em outras partes do país, gostariam de fazer doações sem nenhum outro interesse, exceto o republicano, de uma visão comunitária, cidadã, solidária.
De acordo com o tucano, em seis meses a prefeitura recebeu R$ 681 milhões de investimentos privados sem nenhuma contrapartida.
Ele afirmou que assumiu a prefeitura de Fernando Haddad (PT) com um déficit de R$ 7,5 bilhões e que a parceria com a iniciativa privada foi um dos caminhos para administrar a cidade.
— É com isso que estamos conseguindo administrar a prefeitura porque recebemos R$ 7,5 bi de déficit. O Rio tem R$ 3 bi. Mas eu não vou ficar perdendo meu tempo falando mal do Fernando Haddad, da gestão anterior. O povo não quer saber disso — disse o prefeito.
Outra providência foi um contingenciamento de 30% em toda a gestão municipal.
— Temos que buscar soluções criativas para superar este ano e o ano que vem com um orçamento realista, sem superestimar receitas nem subestimar despesas — afirmou Doria.
AÇÕES NA CRACOLÂNDIA
Segundo o prefeito, apenas três áreas da prefeitura foram preservadas dos cortes: saúde, educação e segurança pública. E citou medidas como venda de automóveis da prefeitura e devolução de carros alugados.
Antes de tomar posse, Doria anunciou, em dezembro do ano passado, uma série de cortes, como redução nos valores dos contratos e no número de cargos comissionados, além da venda da maioria dos carros oficiais — os servidores deveriam andar de táxi e Uber.
Um dos principais desafios de Doria é acabar com a Cracolândia. Ele anunciou, no fim de maio, que havia terminado com a área de consumo de drogas, mas, no dia seguinte, pelo menos uma centena de usuários de crack se concentravam na frente do prédio do Memorial da Resistência, na região central de São Paulo. Três semanas depois, a prefeitura e o governo do estado fizeram nova operação policial e chegaram a expulsar da área o chamado “fluxo”. Policiais e guardas destruíram barracas de lona que acobertariam o tráfico. Um dia após a ação, o espaço estava novamente tomado pela multidão de usuários, e traficantes demonstravam que o abrigo das tendas não era fundamental para a venda de drogas.
O prefeito reconheceu a dificuldade:
— Hoje já temos uma redução expressiva nessa área central da cidade. E temos o apoio da população, vamos continuar. Não é uma tarefa para ser vencida rapidamente. É longo, penoso, mas temos que perseverar — disse Doria.
Desde a primeira operação na Cracolândia, em 21 de maio, o prefeito enfrenta críticas de especialistas e desgastes com seu padrinho político, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).
— Não tenho medo de tentar. Não tenho medo de traficante, de PCC, de cara feia, nem dos istas: petistas, especialistas. Não fui eleito por eles, fui eleito pelo povo — disse o prefeito, em sua apresentação inicial no “E agora, Brasil?”.
AULAS MAIS ATRAENTES
João Doria disse que foi mal interpretado sobre a internação compulsória de usuários:
— Uma entrevista que dei foi deturpada, como se fôssemos colocar em um caminhão ou ônibus centenas de usuários com camisas de força para interná-los. Nunca propusemos isso, e sim que houvesse a possibilidade de internação individual compulsória, por orientação médica, e isso existe.
Na área educacional, Doria disse ter duas prioridades: zerar o déficit de vagas em creches e levar o mundo digital para dentro das escolas.
— Não posso acreditar que crianças brasileiras tenham que continuar seu programa de educação com lousa e giz. Crianças hoje querem computadores, tablets — disse o prefeito.