sexta-feira, 30 de junho de 2017

O pêndulo de ilações de Janot e Temer

Carlos José Marques - IstoE


Saiu a tão aguardada e previsível denúncia do procurador Janot contra Temer. Repleta de contundência nos epítetos, com termos que beiram a ofensa e achincalhe, a peça jurídica peca na essência das acusações: as provas. Ou a falta delas. Como espinha dorsal do processo está a tese de que o presidente foi o beneficiário final ou solicitante dos famigerados R$ 500 mil. Diz Janot em sua sustentação, sem deixar margem a dúvidas, que o presidente “recebeu para si … por intermédio de Rodrigo Santos da Rocha Loures, vantagem indevida de cerca de R$ 500 mil”. Em mais de uma ocasião, desde o início do relatório, ele pontua essa assertiva. Trata mais adiante do “montante espúrio de R$ 500 mil, recebido por Rodrigo Loures para Michel Temer”. Não há qualquer evidência concreta ou, como dizem os juristas, sinais de materialidade a amparar essa proposição de corrupção passiva. Nenhum laudo bancário, conexão financeira ou demonstração fiscal traça tal roteiro para o dinheiro apreendido. Nem mesmo o parlamentar, levado preso depois de carregar a mala com os recursos, se pronunciou nesse sentido – e mesmo que o fizesse, não seria o bastante para, por si só, confirmar a triangulação. A falha no enunciado representa um motivo mais do que suficiente para interromper o trâmite da ação. Configura o chamado vício de origem, passível de repreensão e nulidade da causa em qualquer corte. Surpreende que um procurador com tamanha bagagem e convicção de entendimento tenha caído na armadilha pueril de não investigar a fundo os fatos antes de emitir seu parecer. No meio jurídico já se forma um espécie de consenso em torno da ideia de que o titular da PGR foi, no mínimo, precipitado em suas alegações. Agiu com ligeireza e superficialidade na análise para concluir, a toque de caixa, um processo que normalmente demandaria até um ano de trabalho para a completa e adequada formulação. O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso, classificou como “inepta” a denúncia. Muitos outros concordam com ele. Serenidade e responsabilidade deveriam ser predicados essenciais nesse momento. Mas andam escassos, ao menos em algumas rodas dos poderes de Brasília e em parte da mídia. A manipulação de eventos e circunstâncias, fora do devido ordenamento jurídico, só atende a interesses oportunistas. A virulência das palavras que o procurador Janot lançou ao mandatário (“…Temer ludibriou os cidadãos…”) não deixa esconder um certo rancor. Entre seus pares comenta-se que ele nunca engoliu a intenção de Temer de escolher com celeridade o seu substituto na PGR – finalmente definido na semana passada na figura de Raquel Dodge. Janot sonhava em ficar por mais uma temporada no cargo. Assim como Temer sonha em ficar onde está. A dança de cadeiras diz muito da guerra travada entre os dois. Veio em resposta ao ímpeto de caçada do procurador a reação, com certa ironia, do titular do Planalto quando sugeriu que entrou em voga no País uma nova modalidade de inquérito baseada na ilação.
Não gratuitamente, a tese da ilação cabe como uma luva. No seu afã de prejulgar, o procurador Janot – reconhecido e criticado no meio pela forma afobada com a qual estrutura suas peças acusatórias (mesmo o falecido ministro Teori Zavaski já havia manifestado queixas a interlocutores nesse sentido) – fez uso de deduções vagas, intuitivas: a amizade de Temer com o ex-parlamentar Loures, pilhado em flagrante delito, e as conversas nada republicanas do presidente com o empresário Joesley, que pagou a propina, levariam a crer, por uma, digamos, equação transitiva direta, que Temer seria o elo entre as duas pontas, o real receptador. Simples assim. A isso se chama ilação. E o presidente resolveu dar o troco na mesma moeda. Lembrou que um ex-integrante da tropa de choque de Janot, o agora ex-procurador Marcelo Miller, deixou o posto para trabalhar num escritório privado que atendeu Joesley na montagem de sua delação premiada, recebendo milhões em troca do trabalho. Logo, sugeriu Temer, Janot, que organizou todas as piruetas das gravações clandestinas de Joesley, pode ter saído ganhando na cena. Ambas as induções não param de pé. Sobram inconsistências de lado a lado nesse pêndulo de ilações e não é possível inferir culpabilidade assim. No processo contra Temer, colocada a lupa, a falta de solidez dos argumentos está presente em várias etapas. Envolve até o diálogo no qual o mandatário supostamente apoiaria a compra do silêncio do deputado Eduardo Cunha – algo que a gravação não deixa claro para uma conclusão definitiva. Mesmo com as incertezas se multiplicando, o procurador Janot ainda fez uso de um último artifício, o fatiamento da denúncia para manter o presidente sangrando por longo tempo. Nesse pormenor, as motivações políticas estão escancaradas. O combate segue longe. Em prejuízo do Brasil.