sexta-feira, 30 de junho de 2017

"Por que ‘fulaniza’ a nossa Maria Antonieta", por Fernão Lara Mesquita

O Estado de São Paulo


Temer não é mais problema. Demore quanto demorar para arder o herege – o Brasil junto –, os especialistas em regimento do Congresso asseguram que não restará “janela” entre o processamento das diversas “fatias” da acusação que lhe foi imputada e o calendário eleitoral que permita a votação da reforma da Previdência. Ao dr. Janot passam, portanto, a interessar somente os próximos passos. Por isso é ele mesmo que subscreve a Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a lei de terceirização, que abriu a fila das reformas do trabalhismo de achaque.
Nada disso! Nem um passo atrás!
Como a terceirização é aquele novo padrão de trabalho que fez a China virar o que é saindo do zero e pôs o Brasil fora da economia moderna, a “justificação” dessa Adin vai com todas as marcas registradas da nossa “privilegiatura”. Nada a dizer sobre o mérito do sistema nem sobre quanto tem custado proibi-lo para umas tantas gerações de brasileiros da plebe. Tudo pende de um alegado “vício formal” de tramitação remontando a Lula em 2003, cinco anos após o já atrasado começo do arrastar dessa matéria, em 1998, com FHC. Tudo devidamente esmiuçado num daqueles tijolos de, no mínimo, 800 páginas com que tudo se resolve no Judiciário brasileiro. Quem quiser que leia.
Já vamos para 19 anos de enrolação só nesse abre e fecha da mera porta de acesso à pista onde se dá a competição global. Não é à toa, portanto, que o País estrebucha.
Brasília, não. Brasília vive fora do mundo, assim como vive fora do Brasil que vive dentro do mundo. Ignora-os olimpicamente. Pode fazer isso porque os salários da última gente “meritíssima”, “excelente”, “egrégia”, “eminente” e “magnífica” que ainda reina sobre plebeus sobre a face da Terra, assim como suas aposentadorias de 100%, os aumentos de todos os anos e, sobretudo, os “auxílios” de furar teto constitucional isentos de imposto de que eles se locupletam todo santo mês enquanto acusam o resto do mundo de desonestidade, não dependem de desempenho, como os salários do Brasil que vive dentro do mundo. É por isso que Rodrigo Janot se pode dar a glória de ser a nossa Maria Antonieta e nos impor, um atrás do outro, “excelentes negócios” como mais este do “fatiamento” do pacote JBS. Qualquer coisa, a gente come bolos...
O que há de mais triste neste país triste em que nos transformamos é a ululante obviedade de tudo ... e a forma como, ainda assim, permanecemos bovinamente na fila do martelete na testa, repetindo os discursos indignados contra a lentidão com que ela anda a que os “fulanizadores” reduzem o que devia ser o debate nacional. A guerra do Brasil tem mesmo de ser “fulanizada” porque, olhada sem emoção, a questão conceitual, distributiva, institucional, de justiça sem aspas ou o que quiserem chamá-la envolvida éinargumentável. Tudo é de uma transparência absoluta: 5% da população, os 10 milhões de funcionários públicos, “comem” 46% do PIB (36% de carga + 10% de déficit por ano), que não viram rigorosamente nada que beneficie os 95% que a sustentam. Há para eles direitos especiais, foros especiais, até juros especiais, e mesmo assim não basta, porque até a distribuição de privilégios é perversa dentro do “sistema”. A tal ponto que as castas que já não cabem no País estão deixando de caber também umas dentro das outras. Somente os 980 mil aposentados da União, a cereja desse bolo, “comem” 57% da arrecadação bruta do ente que mais arrecada neste país (70% do total). Se a medicina avançar menos do que está previsto, serão 30, 40, 50 anos mais que os marajás sem trabalho permanecerão pendurados nas nossas costas. Como não tem mais de quem tirar aqui fora e é preciso pagar ainda aos marajás com (algum) trabalho e o mais que a gente sabe, os barnabés dos municípios, a camada mais baixa da “privilegiatura”, estão passando de predadores a presas nesta fase terminal em que o Estado passou a se alimentar de si mesmo.
Depois de Porto Alegre, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, Curitiba é a última capital do Brasil “rico” que se vê no limiar da incapacidade de honrar sua folha de funcionários, estágio que só se atinge, na ordem de prioridades vigente, depois de mortos os empregos privados, os hospitais, as escolas, a segurança pública, esgotados todos os limites de endividamento e devoradas até as reservas do FGTS sob a guarda do Estado.
Sendo a proporção de 95% para 5% do eleitorado, medidas de austeridade têm passado com maiorias confortáveis nos Legislativos, que, com todos os defeitos e desvios, vivem de voto e representam o País, como iam passar também no Legislativo federal. Como no voto não leva, segue-se, então, o roteiro fascista, sempre igual a si mesmo: o sítio violento às Casas de Leis, as gritarias para impedir que se ouçam os discursos reformistas, o desbaste dos ajustes pela chantagem das corporações mais poderosas, o circo dos “movimentos sociais”, que, com os mesmos ônibus, barracas, “manifestantes” e provocações, vai de cidade em cidade parando o trabalho pelo bloqueio do trânsito. E depois que fracassam todas as tentativas de enfiar povo nessas provas de “impopularidade” das medidas aventadas para atalhar a apropriação de tudo pelos donos do Estado, recorre-se ao Judiciário, o Poder acima de qualquer delação, para desfazer o que foi feito no voto, com gambiarras formalistas quando possível, “fulanizando” o debate para emocionalizá-lo sempre, promovendo armações ilimitadas e até coroando “reis” que, sozinhos, valem mais que o Legislativo e o resto do Poder Judiciário somados para se impor a qualquer custo.
Um País em desespero tem alimentado a “aposta” de que “eles” não serão tão loucos para destruir completamente o que pretendem herdar. Mas isso não é o que a História ensina nem para onde apontam os fatos, não numa situação que ainda será, mas numa realidade caótica que já é insustentável.
Ninguém se iluda! Este é o duelo final. Ou instituímos de vez a igualdade de direitos e deveres e acabamos com a “privilegiatura”, ou ela acaba de acabar conosco.