sexta-feira, 30 de junho de 2017

Eles não se emendam

Eduardo Militão - IstoE


Até a Lava Jato, montanhas de dinheiro sujo das empreiteiras jorravam para financiar campanhas eleitorais. A fonte secou. Agora, os políticos querem criar um fundo de até R$ 3,5 bilhões em recursos públicos para bancá-los. Uma excrescência



A três meses do fim do prazo para se fazer mudanças na legislação eleitoral que vai reger as eleições do ano que vem, a Câmara e o Senado ainda divergem sobre a reforma política que vai estabelecer as novas regras. Mas numa coisa já há consenso: deputados e senadores querem aprovar a criação de um caixa eleitoral com recursos públicos, oriundos do chamado Fundo Partidário. Sem corar a face, os parlamentares trabalham por uma verba de R$ 3,5 bilhões. O montante representa cinco vezes mais do que o governo irá gastar com o Fundo Partidário neste ano (R$ 665 milhões). O absurdo é maior quando se constata que o dinheiro que será rateado entre os partidos para ser gasto em 2018, certamente faltará para a manutenção dos serviços básicos para a população. A perspectiva é que o fundo seja aprovado. A lógica de parlamentares à direita e à esquerda do espectro político é meramente casuística. Primeiro, dinheiro na mão. Depois é que serão discutidos os pontos de uma reforma política mais ampla.

Mais dinheiro

Até a deflagração da Operação Lava Jato no início de 2014, os políticos eram financiados basicamente com R$ 300 milhões por ano do Fundo Partidário e com doações de empresas. Parte desse montante por meio do famigerado caixa dois, com uso de notas frias, dinheiro em espécie ou repasses no exterior. Só duas empresas que confessaram pagar propinas a políticos sistematicamente, a JBS e a Odebrecht, doaram R$ 366,8 milhões e R$ 111 milhões em 2014, respectivamente. A farra acabou – ou pelo menos a intenção é fechar as torneiras. A Justiça Eleitoral determinou que as empresas não podem mais doar dinheiro para os partidos e que só serão permitidas doações de pessoas físicas. Mesmo assim com restrições. A campanha municipal de 2016 foi apenas um aperitivo. A maioria dos candidatos reclamou da falta de recursos. Muitos deles, tiveram de mexer nos próprios bolsos para colocar a campanha de pé. A saída foi recorrer ao dinheiro público – para variar.
CONSENSO DO MAL O senador Jucá e o deputado Cândido (abaixo) querem pressa para o caixa eleitoral (Crédito:Lula Marques /AGPT)
Não é de hoje que os dirigentes partidários começaram a sugar os recursos do Fundo Partidário. Em 2014, os partidos se valeram de um total de R$ 372 milhões, pouco mais do que em 2013 (R$ 362 milhões). A proibição de doação pelas empresas fez com que o valor do fundo mais do que dobrasse. Em 2015, ele atingiu o montante de R$ 867,5 milhões, um aumento de 118%. Em 2016, os valores permaneceram nos mesmo patamares (R$ 820 milhões). Em seis anos, já foram gastos nada menos do que R$ 3,4 bilhões, rateado entre os 34 partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Um dos entusiastas do fundo eleitoral de R$ 3,5 bilhões para 2018 é o deputado Vicente Cândido (PT-SP), relator da reforma política na Câmara. A proposta faz previsões de gastos até 2020, quando o fundo disponibilizará R$ 2,2 bilhões só para as eleições municipais. O aporte de recursos para o caixa eleitoral também é defendido pelo senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado, que apresentou Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Os políticos não se emendam. Como é de interesse de todos os partidos, o montante tem tudo para ser aprovado.
Para o cientista político David Fleisher, da Universidade de Brasília (UnB), o correto seria que os parlamentares buscassem fazer campanhas mais baratas, sem usar o subterfúgio do dinheiro público para substituir os recursos privados com os quais eram agraciados até então, muitas vezes sob o manto da chamada “propinocracia”. “Estamos em regime de austeridade, então pode ser que o presidente vete”, contou à ISTOÉ. “Mas Temer está precisando de apoio do Congresso. Pode ser que aproveitem essa fraqueza do presidente para aprovar esse tipo de coisa.”
Aílton de Freitas/Agência O Globo
Em seminário sobre reforma política em Brasília na semana passada, Vicente Cândido disse que a articulação é “promissora”. Resta saber para quem. “Estamos muito convencidos de que nesta semana conseguiremos construir acordos nos pontos importantes para começar a votar na semana que vem”, afirmou o deputado petista. O deputado não está sozinho. O presidente do TSE, Gilmar Mendes, apóia a tentativa de mudar o sistema de financiamento e de escolha dos candidatos. Para ele, existe a “imprescindibilidade” da reforma política. Mesmo que um terço do Congresso seja investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), como consequência da Lava Jato. “Os parlamentos no mundo todo enfrentam esse tipo de crise e não há alternativa. Vamos buscar onde (os recursos)?”