Folha de São Paulo
Em mais um efeito preocupante da supremacia da mediocridade sobre as necessidades que se avultam em todas as áreas, o Brasil assiste inerte à fuga de talentos para o exterior.
O desalento leva cientistas, executivos e empreendedores a buscar ambientes mais favoráveis para desenvolver suas potencialidades ou transformar boas ideias em negócios promissores.
O êxodo se estende para o mundo das pessoas jurídicas com um crescente número de empresas transferindo domicílio jurídico para outros países e fábricas para a vizinhança, como o Paraguai.
A diáspora avança no ritmo de evolução da crise. Segundo a Receita Federal, entre 2014 e 2016, período mais agudo na retração da economia, 55 mil brasileiros saíram definitivamente do país, aumento de 82% em relação ao triênio anterior, quando o cenário de recessão ainda não tinha contornos claros.
Nem os sinais de melhoria, registrados a partir do segundo semestre de 2016, parecem suficientes para reverter o quadro.
De acordo com pesquisa realizada pelo Insper e pela consultoria Hays, 66% dos presidentes de companhias aceitariam um convite para viver fora do país. Entre diretores, o índice sobe para 72%. É capacidade técnica e gerencial que se perde.
No caso das empresas, é o volume de investimentos que se desidrata e, por tabela, trava o crescimento que tanta falta nos faz.
Intercâmbios com o exterior são eficaz instrumento de qualificação e e absorção de tecnologia, condições imprescindíveis para um país se inserir na economia global e no mapa da inovação. Índia e a China, por exemplo, mantêm programas bem-sucedidos voltados para esse fim.
No caso brasileiro, o que se vê é uma via de mão única, na qual empresas e empreendedores rumam para outras terras e lá se estabelecem em definitivo.
A raiz do problema se encontra na falta de perspectivas que se cristaliza na sociedade. Pior: a ameaça à agenda de reformas, como ocorre neste momento com a discussão de novas regras para a Previdência e a legislação trabalhista, reforça o sentimento de fatalismo.
O antídoto, portanto, seria oferecer a visão de um Brasil moderno, com economia dinâmica e políticas de estímulo à inovação e à tecnologia, semelhante ao que se vê em outras partes do mundo.
Ou seja, é necessário reduzir o imenso fosso que nos separa dos padrões internacionais, tanto na economia como na formação da inteligência, cuja deterioração nem sempre é percebida em toda a dimensão, mascarada pelo calor do debate político.
Já vivenciamos momentos nos quais a visão do futuro era embaçada pelas mazelas do presente. E transformamos a solução de graves problemas nacionais em oportunidades de crescimento da economia.
Tome-se o período da hiperinflação entre os anos 1980 e a primeira metade da década de 1990.
A volatilidade de uma moeda sem lastro levou, paradoxalmente, a um intenso desenvolvimento na tecnologia bancária, estimulando a criação de negócios, aprimorando a gestão do setor e desenvolvendo uma geração de executivos talentosos.
Hoje, boa parte das carências em áreas cruciais para o desenvolvimento econômico e social como saúde, educação e segurança tem as raízes em modelos de gestão ineficientes, estruturas sucateadas e tecnologias superadas.
Eis aí um mundo de problemas cujas soluções podem conjugar uma injeção de ânimo na economia com respostas inovadoras e melhorias na qualidade de vida, uma tarefa que cabe às nossas lideranças políticas e empresariais, assim que entenderem os riscos que essa diáspora da inteligência representa para o país.