Há quase 30 anos o Brasil se conectou à internet pela primeira vez. De lá para cá, com algumas exceções, pouco foi feito no âmbito público para captar o potencial de inovação dessa plataforma e maximizar o impacto do uso da rede. O acelerado avanço dessa tecnologia, contudo, continua revolucionando a forma como vivemos e trabalhamos e quanto mais tempo passamos ignorando essa realidade, mais custosa será a transição.
A fusão entre o mundo físico e o digital é uma realidade premente com a ubiquidade da rede em dispositivos móveis e cada vez mais inteligentes e interligados. Hoje, e cada vez mais, nossas atividades cotidianas, no âmbito pessoal e profissional, serão realizadas online, sobre plataformas que nos permitem novas formas de organização, interação e produção. Não se trata mais apenas da automação como o sistema que controla e aprimora os processos de decisão empresarial, otimizando recursos e produtividade. Trata-se, isso sim, de tornar consumidores seus próprios produtores, da diluição entre a posse do capital produtivo e a produção, da desvinculação de produtividade e aumento do emprego.
Estamos, ademais, nos organizando em torno de um novo mercado e testemunhando a fundação de valores que legitimem o cenário emergente. A concepção tradicional sobre produtividade, posse e competitividade está mais próxima de ser suplantada. Em seu lugar teremos a colaboração, o propósito e a participação como meios fundamentais para atingirmos a prosperidade.
No avançar desse processo, o Brasil não só encontra obstáculos para se inserir no novo contexto econômico global, como tem perdido oportunidades de fortalecer o ambiente nacional. Desde 2013 caímos anualmente de posição no ranking econômico do Fórum Econômico Mundial (FEM). Assim nos colocamos cada vez mais distantes de construir um “ecossistema onde os negócios, a regulamentação e as normas sociais promovem conectividade, criatividade, empreendedorismo, colaboração e a adoção das tecnologias mais recentes, para gerar novas ideias e trazer para o mercado novos produtos e modelos de negócio”, característica principal das economias inovadoras e desenvolvidas, de acordo com a organização.
Entre os fatores que mais dificultam a posição do Brasil como país inovador estão os problemas que decorrem de um aparato institucional falho, com a falta de transparência e confiança nas instituições e políticas públicas, a corrupção e os gastos governamentais, a qualidade do sistema educacional e acessibilidade do sistema financeiro, os excessivos impostos e taxas, a estrutura do mercado de trabalho e outros mais.
Por outro lado, o Brasil tem um inexplorado potencial para o empreendedorismo e a inovação e já conta com importantes redes se desenvolvendo dentro dos setores mais expoentes da economia emergente. Mas falta ainda a cultura que nos permita alcançar a necessária resolução dos problemas centrais do País, como os acima mencionados. Falta atacarmos esses problemas a partir de uma visão inclusiva, compreendendo os múltiplos setores da sociedade e seus respectivos interesses, para a promoção do empreendedorismo como um plano sociocultural, para além de econômico.
Mais do que uma crise, o momento atual é de ruptura. Ruptura porque não construímos, até hoje, a base necessária para nos apoiar neste momento de mudança. Consequentemente, tampouco conseguimos aproveitar-nos dos recursos que já temos disponíveis. É urgente, nesse cenário, investir no ambiente empreendedor brasileiro como política para fazer emergir novos modelos de negócio que contribuirão para o desenvolvimento do mercado interno e da sociedade. Fomentar e incentivar a cultura empreendedora no País é fundamental para que possamos participar da nova economia, assumindo uma posição de liderança no ecossistema de inovação.
As previsões mais otimistas sugerem que até 2020 cerca de 50% da força de trabalho no Brasil será afetada pela automação, sem poupar nenhuma indústria ou mercado, segundo o levantamento The Future of Jobs, realizado pelo FEM. E isso sem que muitas das recentes invenções tecnológicas, como a internet das coisas, a economia do compartilhamento, a inteligência artificial, as impressões 3D e a biotecnologia, para citar algumas, tenham alcançado metade do seu potencial impacto de transformação.
É preciso estar aberto às mudanças e, mais do que nunca, inovar também na forma como encaramos estes momentos, já que dificilmente conseguiremos ultrapassar os novos desafios com as antigas ferramentas. Os atores da sociedade civil organizada podem ter um papel fundamental nesse sentido, ao cobrirem lacunas que a gestão governamental não consegue abordar.
A construção de políticas públicas não pode mais ser uma atividade exclusiva das instituições governamentais. Num mundo onde fronteiras econômicas e sociais se diluem, a legitimidade das ações públicas também perpassa a multissetorialidade dos seus representantes. E a colaboração e participação se torna um valor essencial para a sua efetividade.
Iniciativas como a Mudamos, aplicativo lançado pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) do Rio para assinaturas eletrônicas em projetos de lei de cunho popular, significam um imenso avanço nesse sentido, pois contribuem para promover um futuro mais inovador e inclusivo no Brasil. É importante construirmos uma aproximação entre as diversas comunidades do setor empreendedor brasileiro em torno de suas demandas e necessidades. Poder apresentá-las por meio da Mudamos, em forma de lei para a aprovação do poder público, seria uma ação importante não apenas para o fortalecimento de um setor crucial para o desenvolvimento do País, mas também para nos colocar como uma peça central no jogo econômico que se desenha para as próximas décadas.
*Pesquisadora e coordenadora de projetos na área de inovação e tecnologia do ITS Rio