quinta-feira, 22 de junho de 2017

"Que se vayan todos (em francês)", por Clóvis Rossi

Folha de São Paulo


O resultado da eleição legislativa na França, no domingo (18), é o que boa parte dos brasileiros gostaria de ver no Brasil em 2018: dos 577 integrantes da Assembleia Nacional (a Câmara de Deputados local), 429 não foram reeleitos. Dá, portanto, uma renovação de 75%.

Mas não espere que algo parecido ocorra no Brasil por combustão espontânea. Só aconteceu na França porque surgiu um movimento novo, inicialmente batizado de Em Marcha e logo transformado em República em Marcha, que, antes do pleito legislativo, elegeu Emmanuel Macron para a Presidência.

Macron impôs a seu movimento a escolha de candidatos novos, boa parte deles saída da sociedade civil. Resultado: mais de 90% dos candidatos da LRM (La République en Marche, nas iniciais em francês) não eram deputados, e mais de 50% jamais haviam estado na Assembleia Nacional. Como o grupo de Macron ficou com a maioria absoluta, a consequência inevitável foi uma profunda renovação.

Mas, cuidado, renovação não significa necessariamente purificação: quatro ministros tiveram que renunciar a seus cargos, sob acusação de nepotismo ou de pagar assessores por meio de empregos fictícios no Parlamento Europeu.

Espanta-se, por exemplo, "Le Monde": "Em apenas um mês [desde a eleição de Macron], já são quatro ministros de primeira linha sobre 16 –um quarto do governo– que se viram constrangidos a deixar suas funções por causa de assuntos judiciais". É verdade que três ministros não são da LRM, mas de seu aliado MoDem (Movimento Democrático). Mas o quarto, Richard Ferrand, é uma mancha grave por dois motivos: era o braço direito de Macron e é acusado de nepotismo, quando seu chefe pretende proibir a contratação de parentes no serviço público, como parte de seu pacote de moralização da vida política.

Mesmo com essa ressalva, nada trivial, fica claro que a renovação da política depende do rompimento dos padrões tradicionais. Há vários movimentos nesse sentido no mundo, mas o de Macron é, por enquanto, o que apresenta o resultado mais significativo.

A LRM consolidou-se a partir de 3.000 comitês nacionais, espalhados por toda a França. Eram células de composição heterogênea cujos integrantes participavam de reuniões nos bairros, entregavam panfletos de propaganda de rua em rua –além da inevitável presença nas redes sociais. É razoável supor que Macron tenha conseguido seduzir os franceses também por romper o dualismo direita/esquerda.

Sua proposta foi a de adotar "políticas econômicas associadas ao campo de direita e políticas sociais do campo de esquerda", apostando em "romper com todas as categorias tradicionais", conforme precisa definição de Daniel Cohn-Bendit, mitológico revolucionário de 1968, em entrevista a Mathias Alencastro, nesta Folha.

O leitor da Folha foi apresentado nesta quarta (21) a uma iniciativa semelhante, o movimento "Acredito", em artigo de Daniel Barros, Felipe Oriá e José Frederico Lyra Netto. Mas é cedo ainda para avaliar se funcionam tanto a simbiose proposta por Macron como o "Acredito".