quarta-feira, 7 de junho de 2017

O relator Herman Benjamin troca farpas com Gilmar, que defende a impunidade de corruptos, e pede julgamento rigoroso de Temer e Dilma

Com Blog do Josias - UOL

O vídeo exibe declarações feitas pelo ministro Gilmar Mendes numa sessão do Tribunal Superior Eleitoral realizada em 2015. O orador realça uma “assimetria” que marca a atuação da Justiça Eleitoral —valente ao cassar mandatos de políticos inexpressivos e leniente com os mais poderosos. No primeiro dia da retomada do julgamento do processo sobre a cassação da chapa Dilma-Temer, o relator do caso, ministro Herman Benjamin, evocou as frases de Gilmar, amigo e conselheiro de Michel Temer, para cobrar destemor dos colegas.
Gilmar, que presidia os trabalhos na noite desta terça-feira (6), pediu um aparte a Benjamin. Ele soou como se recomendasse ao tribunal mais cautela do que coragem: “Só não podemos esquecer é que aqui nós temos, realmente, uma situação bastante singular, que não deve se tornar comezinha: é a impugnação de uma chapa presidencial, num grau de instabilidade que precisa ser devidamente considerado.”
Benjamin abriu aspas para o Gilmar Mendes de 2015, citando-o textualmente: “O Tribunal é muito valente para cassar prefeitos de interior, por exemplo. Mas é muito reticente em relação às disputas nas capitais. […] O TSE é muito corajoso, às vezes, para cassar um governador da Paraíba. Mas não quer intrometer-se na disputa em São Paulo ou no Rio de Janeiro. Ou mesmo em Minas Gerais. Há uma assimetria.”
O relator franqueou mais espaço para as citações a Gilmar: “…Cassamos governadores de Rondonia, Roraima, Maranhão, mas somos cautelosos… Por isso entendo esse tipo de ideologia de preservação em relação, sobretudo, à Presidência da República. Mas a questão tem gravidade que precisa, pelo menos, ser examinada. E é isso que estou colocando nesse momento.”
O momento era outro. Na época, Dilma Rousseff ainda era presidente. E o vice Michel Temer ainda não havia se insinuado como pretendete ao trono. A relatoria do processo contra a chapa que triunfara na disputa presidencial do ano anterior não estava a cargo de Herman Benjamin, mas da ministra Maria Thereza de Assis Moura.
Sob a alegação de que as acusações contra a chapa Dilma-Temer eram frágeis e que a coligação de Aécio havia adicionado no processo novos elementos fora do prazo legal, Maria Thereza enviou o caso ao arquivo. O PSDB recorreu. A relatora manteve a posição. Foi quando Gilmar pediu vista do processo. Em voto divergente, o atual presidente do TSE posicionou-se a favor da continuidade das investigações.
Houve mais dois pedidos de vista. Numa votação realizada em outubro de 2015, a posição de Gilmar prevaleceu por 5 a 2 no plenário do TSE. Dois meses depois, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, abriria o processo de impeachment contra Dilma.
Hoje, Maria Thereza não está mais no TSE, Cunha é hospede do sistema carcerário paranaense, Dilma cuida dos netos em Porto Alegre, Temer é um presidente sob investigação criminal, o PSDB controla quatro ministérios, Aécio responde a oito inquéritos no STF e o relator Herman Benjamin se esforça para evitar que o TSE cometa uma enorme contradição: depois de avalizar em 2015 a busca de novas provas, a Corte Eleitoral flerta com a ideia de excluir do processo as provas relacionadas à Odebrecht.
A empreiteira borrifou nas arcas da campanha de Dilma e Temer R$ 150 milhões em verbas sujas. Inimigos figadais, Dilma e Temer se uniram na defesa do expurgo das revelações feitas ao TSE por delatores como Marcelo Odebrecht e o casal do marketing petista: João Santana e Monica Moura. Conforme já noticiado aqui, a lipoaspiração das provas mais pesadas recolhidas durante a investigação abriria caminho, em tese, para a preservação do mandato de Temer e dos direitos políticos de Dilma.
A exclusão das provas fornecidas pelos gestores e pelos beneficiários da Odebrecht é requerida pelas defesas de Dilma e também de Temer. Representante do Ministério Público, Nicolao Dino, vice-procurador-geral-eleitoral, prega o oposto. Tratada como uma questão preliminar, que antecede a discussão do mérito da causa, a encrenca deve ser decidida pelos ministros do TSE na manhã desta quarta-feira, no segundo dia da retomada do julgamento.
Sem antecipar sua posição, Gilmar Mendes preocupou-se em repetir algo que dissera no debate de 2015: “Eu chamava a atenção para a necessidade de que nós abríssemos a controvérsia. Eu dizia inclusive, e volto a reiterar: não se trata de proposta de cassação de mandato, mas de saber como se faz a campanha no Brasil, porque os fatos até então revelados já mostravam uma série de abusos.”
Benjamin avisou a Gilmar que será generoso nas citações às frases extraídas do seu voto de dois anos atrás. “Aqui é apenas primeira citação, presidente, das dezenas que eu vou fazer desse voto de Vossa Excelência.” Gilmar continua achando que o processo trouxe à tona fatos de enorme gravidade. Mas parece mais interessado no aspecto pedagódigo da causa.
“A rigor, nós temos aqui, com esse processo um grande aprendizado”, disse Gilmar Mendes. “[…] Há fatos gravíssimos que já foram aqui apontados e que certamente vão aparecer no voto de Vossa excelência”, disse Gilmar a Benjamin. “Mas eu dizia, e volto a dizer, desde o meu primeiro voto: mais importante do que o resultado desse julgamento era o seu processamento, era a abertura desse julgamento, era a possibilidade de nós fazermos essa análise.”
A certa altura, Gilmar recordou conversa que tivera com Henrique Neves, ex-ministro do TSE. “Quando vai para o exterior, ele é perguntado sobre quantos [políticos] são cassados e ficam eles assustados, porque dizem: ‘Vocês estão cassando mais do que a ditadura. E é uma Justiça que se pretende democrática. Mas não havia essa experiência em relação à Presidência da República. Por isso que o caso foi singular.”
Seguiu-se algo muito parecido com uma troca de farpas. “Já que Vossa Excelência fez a comparação entre o TSE e ditaduras”, disse Herman Benjamin, “devo dizer que as ditaduras cassavam e cassam quem defende a democracia. E o TSE cassa aqueles que vão contra a democracia. Há aí uma enorme diferença.” E Gilmar: “De qualquer forma, nós temos que ser moderados no processo de casação.” Benjamin não se deu por achado: “Sem dúvida, mas não é o dado quantitativo. É o dado qualitativo. E também as formas.”