domingo, 25 de junho de 2017

Ministros do STF querem manter revelações em segredo até que inquérito vire ação penal

Edson Fachin, relator da Lava-Jato, defende a regra atual, em que o sigilo é retirado na abertura do inquérito, mas vai levar o tema para debate na Segunda Turma do Supremo quando receber a próxima delação
Edson Fachin, relator da Lava-Jato, defende a regra atual, em que o sigilo é retirado na abertura do inquérito, mas vai levar o tema para debate na Segunda Turma do Supremo quando receber a próxima delação Foto: André Coelho / Agência O Globo
Carolina Brígido - O Globo

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que julga os processos da Lava-Jato, está prestes a promover uma mudança que deixará as futuras delações premiadas em sigilo por mais tempo — e, em alguns casos, para todo o sempre. Atualmente, o sigilo é retirado logo depois de aberto inquérito na corte para investigar os fatos. Ao menos dois dos cinco integrantes do colegiado defendem que as delações permaneçam secretas até o STF receber a denúncia do Ministério Público e transformar o inquérito em ação penal. Outro ministro estaria inclinado a acompanhar o mesmo entendimento, o que formaria maioria na turma.
A abertura de uma ação penal costuma levar, em média, um ano. Isso nos casos em que o Ministério Público Federal apresenta denúncia ao STF. Quando houver pedido de arquivamento em vez de apresentação de denúncia, por falta de provas suficientes para se manter a investigação em pé, a delação permanecerá em sigilo por tempo indeterminado. Se houver mudança na regra, muitos inquéritos serão abertos na mais alta corte do país sem a divulgação do assunto tratado.
O tema foi discutido na sessão da Segunda Turma do dia 13. Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes defenderam a regra para casos futuros. Ricardo Lewandowski estaria inclinado a acompanhar os colegas. O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, costuma defender a regra atual, em que o sigilo é retirado no momento da abertura do inquérito, com a divulgação dos depoimentos prestados e as provas apresentadas pelos delatores. O ministro Celso de Mello não defendeu nenhum dos lados, mas ressaltou a importância de se discutir o assunto quando novas delações chegarem ao tribunal.
O atual entendimento de que o sigilo das delações deve cair depois que o inquérito for aberto ganhou força quando o ministro Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo em janeiro, comandava a Lava-Jato. A partir dessa interpretação, outros ministros do STF passaram a adotar o mesmo comportamento, para dar unidade às decisões da corte. Depois da chegada da delação da JBS, com elementos comprometedores para o presidente Michel Temer, alguns integrantes do tribunal passaram a defender com maior veemência a necessidade de se manter delações em sigilo por mais tempo.
Na última quinta-feira, quando o STF discutiu as regras de homologação de delações em plenário, Toffoli voltou a defender que a corte discuta novamente o sigilo dos depoimentos prestados pelos colaboradores. Na semana que vem, o tribunal deve bater o martelo sobre em que casos os benefícios concedidos aos delatores podem ser revogados. Depois disso, o foco passará a ser a regra do sigilo das delações.
Fachin vai debater o tema
Na sessão do dia 13, a Segunda Turma analisou mais de 50 recursos questionando o levantamento do sigilo da delação da JBS. Fachin começou o julgamento ponderando que o sigilo já estava levantado, portanto, não haveria mais o que fazer no caso específico. Antes dessa sessão, ele ouviu de colegas, em sala reservada, que havia interesse em mudar a regra. Fachin se comprometeu a levar o tema para debate no colegiado assim que receber a próxima delação da Lava-Jato.
Com isso, as delações que já tiveram sigilos derrubados até agora permaneceriam públicas. E a regra a ser aplicada às futuras decisões seria debatida na turma. Os demais ministros elogiaram a solução.
Por unanimidade, os ministros concordaram em manter a delação da JBS pública, com a promessa de rediscussão do caso no futuro. Segundo Toffoli, a lei que rege as delações garante a preservação do nome e da imagem do depoente até o recebimento da denúncia. Portanto, para que o sigilo caísse antes da abertura da ação penal, seria necessário haver a concordância não só do Judiciário e do Ministério Público, mas também do delator.
— Este contrato feito entre colaborador e o Estado investigador impõe direitos e deveres a ambas as partes. O Estado investigador não pode levantar sigilo antes do recebimento da denúncia ao seu bel prazer, porque a lei estabelece que o acordo deixa de ser sigiloso no recebimento da denúncia. Se o agente colaborador não autorizar por escrito ao juiz a possibilidade do levantamento antes desse momento, entendo que não é possível fazê-lo — argumentou Toffoli.
Há delações em que, na colaboração, há cláusula estabelecendo que o levantamento do sigilo ficaria a critério do Ministério Público e do Judiciário. Para Toffoli, esse tipo de cláusula é ilegal.
— Entendo que essa cláusula não é cabível, até porque o colaborador está em uma situação que não é de igualdade com o agente do Estado — afirmou.
Gilmar concordou com o colega.
— No que concerne ao tema da divulgação, a falta de liberdade no processo decisório por parte do delator, aqui também há a questão relativa ao flagrante descumprimento da lei, me parece que isso precisa ser examinado — disse Gilmar.
Todos os ministros concordaram que o tema precisa ser debatido mais a fundo no futuro, diante da próxima delação recebida pelo STF.
— Estamos dizendo que é uma matéria que pode ser revisitada, para mudar ou manter o entendimento. Um tema extremamente importante, que diz respeito à ponderação entre a publicidade dos atos e o direito ao resguardo da imagem do colaborador — declarou Fachin.
— Esse diálogo é extremamente importante. Quando aqui aplicamos determinada interpretação da legislação das organizações criminosas, isso tem um reflexo na nação inteira — alertou Toffoli.
— Penso que nós precisamos lançar um novo olhar sobre o papel do magistrado ao homologar esse tipo de instrumento. Tenho certeza de que o STF encontrará a melhor solução não só do ponto de vista jurídico, mas também da eficácia da importância desse instrumento — disse Lewandowski.
— Na medida em que evoluímos na experiência (da delação premiada) nos deparamos com problemas sérios e graves, a multiplicidade de questões de dúvidas é imensa — afirmou Celso de Mello.
Em processo sobre a Lava-Jato, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, defendeu a queda do sigilo das delações logo na abertura de inquérito pelo STF, se isso não prejudicar a eficiência das investigações. “Muito pelo contrário, é até recomendável a sua antecipação para garantir a transparência do trabalho jurisdicional e dos demais agentes públicos, que têm como marco teórico de controle o princípio da publicidade”, escreveu.
Proteção do investigado
Fachin concordou, ao anotar em decisão recente: “Referido dispositivo que, como dito, tem a preservação da ampla defesa como finalidade, não veda a implementação da publicidade em momento processual anterior”.
Historicamente, o STF se divide em relação ao sigilo de investigações criminais. Na gestão do ministro Cezar Peluso, havia uma determinação de que os pedidos de abertura de inquérito chegassem à corte com a condição de sigilosos. O nome da pessoa investigada ficava protegido pelas iniciais no andamento processual. Depois que o relator sorteado para o caso examinasse o caso, decidia se retirava ou não o sigilo das investigações.
Recentemente, alguns ministros adotaram uma outra forma para preservar alvos de investigação. Diante de pedidos da PGR para abrir inquéritos, ao menos três ministros — Luiz Fux, Toffoli e Gilmar — têm autorizado que os investigados prestem esclarecimentos prévios. Normalmente, no STF, a praxe é a abertura do inquérito automaticamente, diante do pedido da PGR.