Sem resolver a Previdência, economia seguirá
a passo de tartaruga ou caranguejo
Além da forte recessão econômica que veio desde 2015, o Brasil sofre uma estagnação de longo prazo. Estagnação não é crescimento zero. Meu dicionário diz ser uma situação em que o produto nacional não cresce à altura do potencial econômico de um país.
Com a década atual, o produto interno bruto (PIB) brasileiro completará quatro em que, na média, cresceu até aqui míseros 2,4% ao ano. Nas quatro anteriores, a média anual foi muito maior: 6,8%. Essa forte queda veio principalmente da má gestão do Estado por políticos incompetentes. Exceções? Cada vez mais excepcionais.
A estagnação não é percebida pela sociedade e a agenda política atual está mais focada em aliviar a herança ultramaldita deixada por Dilma, que bagunçou tanto as contas federais que foi demitida por essa justa causa.
Arrumar as contas é realmente importante para retomar um crescimento econômico bem mais forte e sustentado. Mas uma ampla agenda política de longo prazo deveria correr paralelamente à atual, pois envolve problemas complexos que tomam tempo e trabalho prévios para encontrar soluções. Entre eles, a fragilidade dos investimentos públicos e privados na ampliação da capacidade produtiva, a escassez de poupança nacional para financiá-los, a baixa produtividade do trabalhador brasileiro, a falta de competitividade internacional da indústria, as altas taxas de juros – que em geral tornam o investimento produtivo menos atraente do que aplicações financeiras –, o real valorizado, o desenvolvimento científico e tecnológico frágil e pouco voltado para gerar valor, e por aí afora.
Na má gestão do Estado destaco aspecto que a evidencia. Os economistas José Roberto Afonso e Vilma Pinto mostraram que entre 1991 e 2015 governo federal ampliou sua carga tributária de cerca de 15% para 20% do PIB. Esse aumento de cinco pontos porcentuais é muito dinheiro, cerca de R$ 300 bilhões em valores atuais. E em 2015, além dessa carga, tomou emprestados cerca de 9% do PIB para pagar os altíssimos juros de sua enorme dívida e mais um pedaço de seus demais gastos.
Apesar dessa enorme tomada de recursos da sociedade, num total perto de 30% do PIB em 2015, dados analisados pelo economista Mansueto de Almeida, atual secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, mostram que os investimentos públicos no mesmo ano, como em infraestrutura, foram de minúsculos 0,7% do PIB, a mesma porcentagem de 1991, e que só igualaram ou ultrapassaram o também mísero 1% em apenas cinco anos desse período. Ou seja, o governo toma muito dinheiro de quem investe muitíssimo mais que ele para investir apenas essa miudeza.
E o que fez com o aumento da carga tributária? Num irresponsável e insustentável “tudo pelo social”, e tudo também pela caça de votos, mais que dobrou os gastos sociais (INSS, Bolsa Família e outros), passando-os de 3,8% para 9,4% (!) do PIB, e expandiu gastos de custeio, exceto com pessoal, de 2,5% para 4,2% do PIB. Como é que o Brasil pode crescer diante de barbaridades fiscais como essas? Hoje esse “tudo pelo social” gerou mesmo foi um forte aumento do desemprego.
A recessão atual deve ter recebido ontem mais uma injeção de “juroflex”, que deverá contribuir um pouco para aliviá-la, na forma de nova queda, em torno de um ponto de porcentagem, da taxa básica de juros. E hoje o IBGE deverá anunciar um crescimento próximo de 1% do PIB no último trimestre, depois de oito (!) quedas consecutivas nos últimos dois anos.
Esse crescimento poderia ser o prenúncio de uma recuperação contínua. Mas esta passou a correr riscos depois do imbróglio causado pela conversa entre Michel Temer e Joesley Batista, da JBS. Renúncia, cassação ou impeachment passaram a frequentar assiduamente o noticiário, daí emanando dúvidas quanto à sustentação política de Temer e, em particular, quanto às reformas em andamento no Congresso.
Elemento fundamental na interação de política e economia é que empresários e consumidores, se desconfiam da ou se amedrontam com a ação do nosso Estado paquidérmico, travam ou contêm suas decisões de consumir e investir. Se a economia passar a sofrer de novo por essa razão, as más notícias correspondentes se espalharão pelo noticiário, com o que a desconfiança ou o temor se ampliarão.
Os índices de confiança de empresários e consumidores também vinham mostrando recuperação, mas como ficarão diante desse “balança, mas não cai” do presidente? Temo que os políticos a quem cabe resolver esse impasse continuem, como até aqui, dando cabeçadas e imobilizados diante da necessidade de uma solução rápida. Habitualmente procrastinam soluções de uma forma que também marca a má gestão do Estado.
Tome-se o caso da Previdência Social. Há tempos especialistas no assunto vêm apontando o envelhecimento da população e as regras frouxas de concessão de benefícios, em particular as aposentadorias precoces, como ingredientes de um enorme e crescente déficit previdenciário. Mexer nessas regras é, de fato, impopular e nossos políticos abominam reformas mais contundentes na área, mas introduzi-las é de sua responsabilidade. Optaram por procrastinar soluções eficazes. Resultado: o problema agravou-se e passou a uma situação crítica, como a de um doente que carece de internação rápida para uma cirurgia delicada. Tanto assim foi que até o presidente Temer, notório personagem da inepta velha-guarda da política nacional, optou por uma reforma mais profunda da Previdência. A bomba caiu-lhe nas mãos.
Se não revolvido esse assunto, ele poderá trazer-nos uma quinta década de estagnação, pois 2020 já está perto. Sem uma solução adequada, a gravidade do problema se ampliará, a incerteza e o medo diante da inação do Estado voltarão a conter mais fortemente as decisões de empresários e consumidores e a economia seguirá a passos de tartaruga, ou mesmo de caranguejo.