sexta-feira, 16 de junho de 2017

Emprego público protege quem não precisa

Marcos Santos/USP Imagens
Site que permite conferir informações e saldo do FGTS apresenta instabilidade
Para especialista, estabilidade no setor público prejudica trabalhadores mais pobres da iniciativa privada


Sérgio Firpo - Folha de São Paulo

O Brasil é um país extremamente desigual. No mercado de trabalho, a desigualdade não é apenas de renda, mas de tratamento, e as diferenças entre os setores público e privado contribuem para isso.

Enquanto o setor público oferece estabilidade no emprego aos servidores, trabalhadores do setor privado engrossam as estatísticas de desemprego.

Dadas as diferenças de composição da força de trabalho nos dois setores, a diferença de tratamento distorce a alocação de risco na economia, fazendo trabalhadores mais pobres e menos escolarizados absorverem desproporcionalmente os efeitos das oscilações econômicas.

Sabe-se que o setor público contribui relevantemente para aumentar a desigualdade de renda.

No setor privado, a remuneração média equivale a 50% da prevalecente no setor público. Quando são comparados trabalhadores com mesma escolaridade e experiência no mercado, a remuneração no setor privado é menor e equivale a 80% da encontrada no setor público.

O argumento de que o setor público equaliza remunerações entre trabalhadores que de outra forma seriam discriminados no setor privado, como jovens, mulheres e negros não se sustenta.

Dados do Judiciário paulista divulgados recentemente revelam que juízes e desembargadores homens ganham, em média, 15% a mais do que suas colegas.

As diferenças de remuneração entre trabalhadores nos setores privado e público não se encerram com o fim da idade ativa.

A discussão sobre a reforma da Previdência explicitou como servidores públicos têm se beneficiado de um regime previdenciário diferenciado, que é mais generoso do que aquele ao qual os trabalhadores do setor privado têm acesso.

O déficit do sistema previdenciário dos servidores, per capita, é dez vezes maior que o da previdência dos trabalhadores do setor privado.

Por fim, além da diferença de rendimentos e aposentadoria, os servidores públicos gozam de estabilidade, enquanto trabalhadores do setor privado têm que enfrentar os efeitos do ciclo econômico sobre o emprego.

É outra desigualdade, muitas vezes esquecida: a de oscilações de renda ao longo da carreira.

Previdência e remunerações mais generosas e estabilidade no emprego tornam o setor público mais atraente do que o privado.

Não há vagas para todos os interessados, contudo. Dentre todos os ocupados, pouco mais de 10% são servidores.

A seleção, formalmente meritocrática, é feita por meio de concursos públicos disputados, para os quais são necessários anos de preparo exclusivo, assim como nos vestibulares para as universidades públicas.

Em geral, os bem-sucedidos nos concursos têm alta escolaridade e origem em famílias com capacidade de financiar os anos de preparação.

Dos servidores públicos, 55% têm nível superior completo, enquanto no setor privado, essa proporção não passa de 15% entre os ocupados.

A educação serve como um seguro contra os choques negativos, como o desemprego. Trabalhadores do setor privado com ensino médio incompleto têm duas vezes mais chances de se encontrar no desemprego do que aqueles com superior completo.

Como o setor público emprega mais trabalhadores com alta escolaridade do que com baixa escolaridade, o emprego público afeta a alocação de risco na economia ao dar mais uma camada de proteção exatamente a quem não precisa.

Não à toa, a recessão atual e seus efeitos sobre o emprego têm recaído majoritariamente sobre trabalhadores com baixa escolaridade do setor privado.

Assim, alocamos risco a quem tem menos capacidade de lidar com ele, amplificando os efeitos negativos da crise econômica sobre a desigualdade de renda.

A estabilidade no emprego tem sabidamente efeitos deletérios sobre a produtividade do trabalho e não parece ser uma política que se queira universalizar, sob o custo de introduzirmos grandes ineficiências alocativas.

Mas há grandes desigualdades em nossa sociedade que precisam ser combatidas.

Em particular, a desigualdade de tratamento torna urgente a revisão dos incentivos à entrada e à permanência no setor público.

Qualquer tentativa de fazer com que trabalhadores dos setores público e privado sejam tratados como iguais, sobretudo no que tange à estabilidade do emprego, teria efeitos redutores sobre nossas desigualdades de renda e de suas oscilações.

SERGIO FIRPO é professor titular de economia do Insper