segunda-feira, 19 de junho de 2017

‘A incerteza aumentou, mas o que me interessa são as reformas e o ajuste’, diz Ilan Goldfajn

Fabrício de Castro, Fernando Nakagawa e Irany Tereza - O Estado de São Paulo



Ilan Goldfajn


O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn Foto: Dida Sampaio/Estadão


Há um ano, quando assumiu, em 13 de junho, a presidência do Banco Central, o economista Ilan Goldfajn elegeu como principal bandeira uma inflação “baixa e estável”. A taxa acumulada em 12 meses, medida pelo IPCA, estava em 9,5%. Hoje, derrubada em grande parte pela recessão que assolou o País, baixou ao patamar de 3,6% (taxa de maio), e a economia “se estabilizou”. Condições suficientes para o BC garantir: o corte de juros continua. Ilan continua com um olho nos índices macroeconômicos e outro nas reformas para calibrar o ritmo da queda de juros. “A incerteza nas últimas semanas aumentou”, reconhece. “Mas, podemos ter as reformas e os ajustes avançando. E é só isso que me interessa, sob o ponto de vista do BC”, disse, em entrevista ao Estadão/Broadcast. A seguir, os principais trechos: 

Um ano de Banco Central. Qual é o seu balanço?
Foi um ano em que a direção de política econômica mudou. Aí não é só uma questão de Banco Central, tem as questões econômicas, muitas reformas, muitos ajustes... A percepção, quando se olha o ano como um todo, é que, de fato, houve bastante avanço. Na questão do Banco Central houve mudanças relevantes. A começar por um dos objetivos principais do BC, que é a inflação. Quando eu entrei... eu mal sentei aqui e já estavam falando em meta de inflação ajustada. Basicamente, uma das nossas primeiras decisões foi não fazer uma meta ajustada, porque achávamos que a meta de 4,5% era possível de ser atingida. Na economia, estávamos no meio de uma recessão, com inflação. Hoje em dia temos uma economia, eu diria, que se estabilizou no primeiro trimestre. E perspectivas de uma recuperação gradual. A situação é diferente, porque aí a gente consegue, sob o ponto de vista da política monetária, entrar no período de flexibilização, que é nossa linguagem para redução da taxa de juros. O que se discute hoje é a velocidade, o ritmo e a extensão. Mas não se discute se a inflação ainda está alta, se tem que subir juros.
A avaliação do BC é de que a recessão acabou?
Eu diria... Vimos no primeiro trimestre um crescimento razoável, de 1%. Uma parte importante deste crescimento tem a ver com o setor agrícola, mas tem a outra parte que indica que pelo menos houve uma estabilização. A gente olha para frente e acredita que existe a possibilidade de uma recuperação gradual, ao longo deste ano. Bancos centrais falam de possibilidades, não é uma diminuição de nada, é simplesmente porque temos que tomar decisões, Copom, ou outras decisões, em que a gente sempre vai observar a atividade, se ela está recuperando gradual, se mais lento, mais rápido. É o risco que a gente tem colocado.
A crise política mais recente atrapalhou o roteiro traçado pelo BC?
Trabalhamos no BC sempre com as questões econômicas e técnicas. Desde o primeiro dia (da crise) me perguntaram: “o que vocês vão fazer?” Vamos fazer a questão técnica... tentamos trabalhar da melhor forma. Tenho avaliado a consequência dos últimos eventos e as reformas e ajustes... São diferenças importantes. Podemos ter as reformas e os ajustes avançando, e é só isso que me interessa, sob o ponto de vista do BC. A incerteza nas últimas semanas aumentou. Mas é possível que venha a diminuir, acho que estamos vendo algumas reformas avançando, a trabalhista está saindo da comissão, isso significa que a incerteza diminui. Vamos ter que observar como anda a reforma da Previdência.
Quais os canais de transmissão desta incerteza para o Banco Central? Quais as possibilidades de contaminação?
São as mesmas que estamos falando há um ano. Só que falávamos do “lado do bem” e é mais fácil entender. Falávamos: “Olha, se tivermos ajustes, se as questões fiscais passarem, se as questões de produtividade passarem, o juro neutro estrutural da economia tende a cair. E quando ele tende a cair, sob o ponto de vista da política monetária, eu tenho mais espaço (para cortar juros).” Falamos isso desde o primeiro dia. É óbvio que às vezes nem tudo caminha sempre na mesma direção. E alguns momentos de incerteza maior leva a dúvidas sobre se as reformas estão caminhando na mesma velocidade que achávamos há um mês atrás. Aí o impacto é igual. O juro estrutural da economia pode... em vez de... nós estamos na perspectiva de que ele continue caindo, talvez não tão rápido. Talvez fique parado. É aí que entra na nossa avaliação.
O mercado já estava apostando numa velocidade e queda maior dos juros. A crise política influenciou a última decisão do Copom?
Houve de fato uma colocação nossa na reunião, não na última (maio), mas na penúltima (abril), em que a gente disse que estava discutindo qual o ritmo adequado (de corte da Selic), se é o ritmo daquele momento de redução, ou se as reformas andassem mais rápido, a gente estava até avaliando mudanças de ritmo, naquele caso... Mas, não tínhamos tomado nenhuma decisão. Inclusive, na própria semana que teve esse evento (delação de Joesley Batista), a gente até falou... Olha, estamos discutindo ainda... Eu até falei... olha, não toma isso como dado. Estamos avaliando. E no final das contas, a nossa decisão, a última, foi em linha com o que a gente tinha anunciado como uma das opções (corte de 1 ponto porcentual). E também nossa comunicação do que poderia vir para frente. Poderia, sempre na condicional...
Pouco tem se falado sobre a extensão do ciclo de corte de juros ou do ponto final do ciclo. Este ponto final foi alterado?

Eu diria que o ponto final depende de várias questões. Depende do juro estrutural, porque ele me diz se eu tenho mais risco na economia como um todo e, portanto, se posso convergir num juro real mais baixo, mais compatível com o resto do mundo. Neste caso, a extensão depende do juro neutro e depende de se há aumento de incerteza ou se a incerteza cai.  Uma coisa é o juro estrutural, outra coisa é conjuntura – inflação, atividade... Nunca ligamos só para uma coisa.
O ponto final da queda da Selic não é pacífico? Está sob análise, assim como o ritmo?
A vantagem que tenho é que não preciso o tempo todo dizer exatamente isso. Vou avaliar como a inflação vai andar, como a atividade vai andar, como a taxa estrutural vai andar. Vou avaliando ao longo do tempo e tomando as decisões. A gente indica o caminho dizendo que ele depende do que acontecer na economia. Não é determinístico. “Se a inflação cair muito, se a atividade decepcionar, já está fechado...” Não. Se a coisa andar, vai influenciar também. No fundo, o que estamos dizendo é o seguinte: gostaríamos que a sociedade e o mercado entendessem como nós agimos, qual é a nossa reação. É isso que as pessoas têm que entender, porque ninguém conseguirá saber qual vai ser o futuro. Mas se souberem como a gente reage,  vamos estar comunicando cada vez melhor.
A direção de queda de juros está dada. Qual é o ritmo e a velocidade, pelo contexto atual?
O caminho da desinflação e da redução da taxa de juros está dado. Há um processo e eu não consigo ver mudanças tão radicais que possam afetar, neste momento, isso. Está dado. A discussão, obviamente, é sobre o ritmo e a extensão. O que eu quero passar é que isso vai depender do desenvolvimento, tanto das reformas e dos ajustes quanto da inflação e da atividade. Nós vamos continuar olhando. A decisão será tomada no seu dia.
Entre as reformas, a da Previdência é a principal, mas há risco de virar uma minirreforma, com a crise. Qual é o impacto disso?
Para nós, quando mais ampla a reforma, melhor. Mas não é só a reforma da Previdência. Há reformas e ajustes. Há um conjunto dessas medidas, que são relevantes, não para o BC, mas para o País. A reforma da Previdência é uma reforma fiscal e, por ser fiscal, é relevante. Mas não é a única.    
A Medida Provisória 784 recebeu críticas por poder limitar o poder de investigação de outras instituições. Por que o BC diz que essa percepção é equivocada?
A MP está dentro da nossa agenda BC+ e foi divulgada em dezembro (de 2016). Não é uma medida que lida com questões conjunturais. Em 2015, (a MP) estava quase pronta para ser editada, foi enviada para a Casa Civil. E, por razões que vocês sabem bem (processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff), ela acabou tendo de voltar. Voltou a ser analisada pelo Ministério da Fazenda e todos os outros atores. Como está dentro da nossa agenda BC+, tenho insistido que toda a nossa agenda tem de ser mantida.  Já essas polêmicas conjunturais não têm a ver nada com o projeto. O BC só vai lidar com questões de irregularidade administrativas. São coisas do nosso dia a dia de sempre. Isso não tem nada que ver, na minha opinião, com medidas penais, que vão continuar sendo trabalhadas pelas autoridades competentes. O Ministério Público etc e tal. Então, essa separação sempre foi muito clara. A única coisa que nós fizemos nos últimos dias foi alertar de novo: nós não temos competência para isso. Toda vez que a gente descobre um crime,  temos obrigação, pela Lei Complementar 105, de entregar (ao Ministério Público). Nós temos uma MP que não muda nada na área penal. Não pode mudar. Nosso entendimento é que a gente continua trabalhando no nosso mundinho. Nas questões penais, criminais,  continuam as autoridades competentes. E uma coisa: se ficar qualquer dúvida, entra nas emendas (à MP).
A CVM tem trabalhado junto com o MP no caso da Lava Jato. Há alguma possibilidade de um trabalho conjunto de BC e o MP em algumas investigações?
O que é trabalhar junto? Se a gente observar alguma coisa, a gente vai passar para o Ministério Público qualquer crime. Nesse sentido, vai haver cooperação. Existe a possibilidade de, em alguns casos, se for do interesse do MP, a gente poder fazer alguma emenda (na medida provisória) para trabalhar junto se for do interesse. Não temos esse objetivo. Só queremos contribuir para isso. Se for para contribuir, estamos à disposição.
O temor de instituições financeiras em torno de eventual delação do ex-ministro Antônio Palocci já estaria levando alguns bancos a procurar o MP para possível acordo de leniência. Já está havendo esta procura no BC?
Não. Até porque a gente precisa regulamentar aqui dentro. Depois que aprovar, é preciso ter uma norma para detalhar. As coisas mais específicas ligadas ao BC precisarão de uma norma. Eu não vou entrar na questão desses comentários porque nenhum desses é oficial. Sob o ponto de vista oficial nada veio à gente. As conversas não têm a ver com coisas administrativas. Me parece  que quase tudo é na área penal e criminal, mesmo nessas conversas. Então, me parece que não é o caso de o BC estar envolvido nessas questões. Essa medida tem de ser entendida como medida estrutural. Não tem nada premente, não tem nada vindo do BC. A gente está trabalhando de uma forma técnica, as questões administrativas não são as questões, digamos, essenciais... Então, não tem porque entrar na seara do BC.
Um dos pontos polêmicos da MP é o termo de compromisso e a possibilidade de permanecerem sob sigilo em caso de risco à estabilidade financeira. Que problema administrativo poderia gerar risco sistêmico?
O mais importante em termos de compromisso é poder ter agilidade ao invés de um processo administrativo longo e burocrático. Isso é algo observado na esfera internacional: vários compromissos das autoridades que chegam logo a um acordo, você paga tanto, você resolve isso. Isso é o mais importante. O resto eu vejo como uma exceção, com uma probabilidade muito pequena, e estaria ligado a questões de instituições muito grandes com questões muito agudas. E me parece que é algo muito remoto. Sobre o acordo de leniência, ele será sempre aberto sem exceção. Em momento algum o acordo leniência vai ser fechado. Só, obviamente, no momento em que você está negociando. Uma vez que você assinou tudo (acordo de leniência), você revela para o público a posteriori. O acordo de leniência é aberto depois de fechado. O termo de compromisso é sempre aberto como regra, mas na hipótese muito rara de ser fechado, será fechado em todo o processo. 
Então, o sigilo (da leninência) só será durante o processo?
Uma vez que se tornou público, se tornou público.
 Será levantando o sigilo?
Depende em que momento, tá?
Não teremos o caso de nem sabermos o que aconteceu com determinada instituição?
Não há esse risco. Primeiro porque é uma coisa muito remota. E depois não há esse risco.
O que circulou é que, juntamente com a MP 784, a autonomia do BC foi um dos assuntos levados pelo senhor ao presidente Temer (em 6 de junho).
Não, isso não procede. Mas não significa que outros assuntos não tenham sido discutidos. Nós temos MPs, temos discussões legislativas. Por exemplo, quando falamos de medidas provisórias importantes, tem a da TLP (Taxa de Longo Prazo) que tem um impacto importante no juro estrutural. É importante, assim como a reforma da previdência. São essas coisas que a gente conversa. Tem um esforço para passar. Tem uma outra reforma, agora, sendo discutida no Congresso, que é a MP 775, que é a de garantia de forma eletrônica no mercado de crédito, que reduz o risco de dupla garantia. Toda essa agenda mais estrutural foi conversada. Não da autonomia.
Como é a relação do senhor com o presidente Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles?
Não vejo vocês na imprensa fazerem, desta vez, muita discórdia. Tenho lido que uma das diferenças é que a equipe econômica trabalha junto. Vocês não têm escutado tantos atritos como no passado. Acho que isso já é um sinal bom que, de fato, a gente esteja trabalhando bem juntos. 
Como é a relação do sr. com o presidente Temer?
É uma relação boa, de um Banco Central autônomo. Nós não temos autonomia de jure (pela lei), mas temos autonomia de facto (de fato). Isso fica claro na forma como atuamos. Há coisas mais ligadas à política partidária, que não são técnicas, então não nos cabe participar. Não temos nenhuma ambição de participar de decisões políticas ou mesmo questões econômicas que não nos dizem respeito. Essa é a autonomia de facto e acho que está caminhando muito bem.
Como é ser vidraça? Falar algo que imediatamente gera alguma reação do mercado?
A reação é muito mais intensa que o objetivo. Ou seja, às vezes você fala algo e a interpretação é muito maior. E a razão para ela ser maior é que eu sou uma pessoa, temos mais oito diretores. E as pessoas são muito mais. E elas canalizam, são muitos analistas, muitos economistas, mais a sociedade toda, e isso gera várias interpretações. Então acaba sendo mais do que a gente pretende. Claro que pode surgir um momento em que a gente vai lá e fala: você pode passar este sinal. Às vezes, a gente quer passar um recado mas não pega... (risos) . Mas na maioria das vezes é o contrário.