segunda-feira, 12 de junho de 2017

"Angra 3, o custo do malfeito", editorial do Estadão

Usina é um caso paradigmático do quanto sai 

caro usar mal o dinheiro público



Para concluir a Usina Nuclear de Angra 3 serão precisos nada menos que R$ 17 bilhões, revelou o Estado. E, se o governo federal desistir de sua construção e quiser desmontá-la, o orçamento é também bilionário. Estima-se um montante de R$ 12 bilhões para a quitação dos empréstimos feitos, o desmonte da estrutura, a destinação das máquinas e o pagamento de uma infinidade de dívidas. Sem dinheiro, o governo busca algum parceiro privado internacional que torne possível retomar as obras no ano que vem. Desde 1984, a construção da usina já consumiu R$ 7 bilhões.
Seja qual for o caminho que se adote a partir de agora, a história de Angra 3 revela uma obstinada sequência de erros desde suas origens, ainda na década de 70 do século passado, passando pelo populismo do sr. Lula da Silva, que a incluiu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) de 2009 e prometeu terminá-la em 2014. A promessa, como tantas feitas na época, ficou no papel. Apenas 58% de seu projeto foi executado e, uma vez mais, Angra 3 ganha contornos de uma herança maldita. Apenas para manter as máquinas de geração nuclear, a Eletronuclear, empresa de economia mista subsidiária da Eletrobrás e responsável pela Usina de Angra 3, já gastou mais de R$ 1 bilhão.
Em 1975, o governo do presidente Ernesto Geisel, num típico arroubo nacionalista dos tempos de regime militar, achou que mostraria independência em relação aos Estados Unidos e acentuaria a grandeza do Brasil caso assinasse um acordo nuclear com a então República Federal da Alemanha. E assim foi feito. Na época, o governo militar alardeou que o tratado, ao incluir a transferência de uma determinada tecnologia atômica, supostamente desenvolvida pela empresa alemã Kraftwerk, daria ao País o tão sonhado domínio do ciclo nuclear. O problema é que aquela tecnologia ainda não tinha sido criada. Sob o pretexto de defender o interesse nacional, o governo militar comprometeu-se a comprar uma coisa que a rigor não existia.
Com essa pré-história tão complicada, misturando aspiração de grande potência, política energética e investimento em infraestrutura, a Usina de Angra 3 começou a ser erguida em 1984. Suas obras prosseguiram até 1986, quando foram paralisadas em razão de dificuldades econômicas e políticas. Naquele ano, ocorreu o maior desastre nuclear do mundo, com a explosão do reator da usina de Chernobyl, na Ucrânia. Ainda que sem ser oficialmente abandonado, desde então o projeto de Angra 3 ficou parado. Em 2009, o presidente Lula da Silva incluiu Angra 3 entre os destaques do PAC, prometendo concluí-la em cinco anos a um custo de R$ 8,3 bilhões. Oficialmente, as obras foram retomadas em junho de 2010.
Em 2015, o andamento das obras de Angra 3 foi oficialmente suspenso em razão de denúncias de corrupção, investigadas pela Operação Lava Jato. Desde setembro de 2014, atuava na usina o consórcio “Angramon”, destinado a executar a montagem eletromecânica da usina. Era formado pelas empreiteiras UTC Engenharia, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Empresa Brasileira de Engenharia (EBE) e Techint. Em abril de 2016, Flavio David Barra, ex-presidente da Andrade Gutierrez Energia, relatou em depoimento à Justiça do Rio de Janeiro pagamentos ilegais feitos pela empresa a membros da diretoria da Eletronuclear. Como se não bastassem os muitos erros de planejamento, a corrupção tornava ainda mais distante o término das obras.
Caso seja concluída com os R$ 17 bilhões estimados, a Usina de Angra 3, com capacidade de 1.405 megawatts (MW), terá um custo total de R$ 24 bilhões. A título de comparação, a Hidrelétrica de Teles Pires, na divisa entre Mato Grosso e Pará, com potência de 1.820 MW e que entrou em operação no fim de 2015, custou R$ 3,9 bilhões. Angra 3 é, portanto, um caso paradigmático do quanto sai caro usar mal o dinheiro público.