A economia brasileira é candidata a enfrentar sacolejos derivados da acomodação de Trump aos paineis de controle da Casa Branca
Começa hoje um dos experimentos internacionais potencialmente mais explosivos nessas últimas sete décadas pós-Segunda Guerra. A chegada de Donald Trump à Presidência do país mais influente do planeta, não por coincidência também a maior e mais inovadora economia do mundo, é, sem exagero, um evento com ares assustadores.
Todas as expectativas de que o bilionário falastrão e narcisista moderaria suas atitudes e ameaças — depois de, com elas, seduzir um eleitorado tão desconfiado das instituições políticas e sociais quanto desesperançado com os rumos da economia — não resistiram ao período de transição entre a eleição e a posse. Trump não só continuou agredindo e comprando briga com meio mundo, como reafirmou a disposição de aplicar as ideias geopolíticas e econômicas protecionistas e xenófobas que anunciou ao longo da campanha presidencial.
Resta a crença no poder moderador do célebre sistema de pesos e contrapesos da democracia americana. Ele foi testado inúmeras vezes nos últimos 240 anos e, no final, sempre se saiu bem. Agora, com as duas casas do Congresso sob domínio dos republicanos, que, apesar de discórdias internas, levaram Trump ao topo, os riscos de que não aguente o tranco se amplificaram.
A economia sob Trump, se ele levar adiante as promessas de campanha, viverá conflitos variados, com repercussões importantes para o resto do mundo. As políticas fiscal e monetária tenderão a ir cada uma para um lado, promovendo tensões também na área área cambial. A expansão fiscal embutida no “programa" econômico do novo presidente pode esbarrar na previsível — e já insinuada — reação da política de juros do Federal Reserve, o banco central independente americano.
A base do protecionismo de Trump, além do poder de dissuasão política do qual o presidente dos Estados Unidos é naturalmente investido, se assenta em um dólar mais desvalorizado ante as demais moedas, principalmente aquelas de grandes exportadores para o mercado americano — China, Japão e outros asiáticos, Alemanha e outros europeus, México. Um dólar que estimule exportações e iniba importações, contudo, depende de uma taxa de juros de referência relativamente mais baixa. As pressões inflacionárias que o corte de impostos e uma expansão nos gastos públicos — com redução de despesas sociais, mas aumento nos investimentos em defesa e infraestrutura —, acenados por Trump, podem deflagrar pressões inflacionárias que conduziriam a contrações da política monetária, com elevação de juros e, em consequência, viés de valorização para a taxa de câmbio.
Não há uma diferença essencial, três décadas e meia depois, entre o Reaganomics, do então presidente Ronald Reagan, nos anos 80, e o Trumponomics, em marcha a partir de hoje. A lógica de estimular a oferta, com redução de tributos e aumento de gastos, como forma de promover emprego e gerar crescimento, só funcionou no curto prazo e exigiu, para enfrentar uma inflação que já avançara para dois dígitos ainda no governo anterior, do democrata Jimmy Carter, e continuou acima de 10%, nos primeiros anos do presidente republicano Ronald Reagan, taxas de juros exorbitantes, sobretudo para a economia americana, nas alturas de 20%.
A pancada nos juros americanos resultou, sobretudo nos países emergentes — então ainda chamados, talvez mais apropriadamente, exceto China e Coreia, de “em desenvolvimento” —, caso bem definido do Brasil, em crises de dívida externa e décadas perdidas de crescimento. Não com a mesma intensidade, abrangência ou duração, o perigo com Trump é a reprodução daquele cenário de dificuldades.
Parece inevitável uma reciclagem dos capitais financeiros em direção aos Estados Unidos, com implicações negativas nos mercados cambiais e, mais ainda, no conjunto das dívidas externas carregadas pelas empresas de países emergentes. Nesse conjunto, a economia brasileira, antes que perguntem, embora mantenha posição confortável em reservas internacionais, é sim candidata a enfrentar sacolejos derivados da acomodação de Trump aos painéis de controle da Casa Branca.