quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Nelson Motta: "A escola dos sonhos"

O Globo

Era o que eu queria: desenhar móveis, eletrodomésticos, logomarcas, cartazes, capas de livros e de discos


Entrei na Faculdade Nacional de Direito com 18 anos, sem a menor convicção ou vocação. 

Logo na primeira semana, detestei tudo, as aulas chatíssimas, a política estudantil no diretório. Fiquei quase dois anos enrolando, não ia nunca e nem fazia provas. Eu gostava mesmo era de música, fazia letras, tinha um conjunto com Francis Hime, mas não podia viver daquilo. Tinha que ser doutor. Minha mãe ameaçava: “Se você não se formar, vai ser a vida inteira ‘seu’ Nelsinho.”

Por mais que lhe agradasse ter um herdeiro do seu escritório de advocacia, diante de minha total inaptidão, meu pai sentenciou: “Larga essa merda. Você não tem nada a ver com isso.”

Em 1965, saí da faculdade e, sem muito entusiasmo, pensei em fazer Arquitetura. Mas quando soube que o governador Carlos Lacerda tinha criado uma moderníssima faculdade de design, a Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), vi que era isso que eu queria, desenhar móveis, eletrodomésticos, logos, cartazes, capas de livros, de discos.

Vestibular duríssimo, mais de 700 concorrentes para 30 vagas. Estudei muito e passei.

A Esdi era uma maravilha, aprendíamos Teoria da Informação com Décio Pignatari, História da Arte com Flávio de Aquino, Fotografia com Humberto Franceschi, Design com o alemão Karl Heinz Bergmiller, tínhamos oficinas de metal, de madeira, de gesso, laboratório de fotografia e até uma moviola, em que foram montados vários filmes do Cinema Novo.

Eu amava a Esdi, mas, depois de três anos felizes, seduzido pelas aulas de Comunicação do mestre Zuenir Ventura, fui fazer um estágio no “Jornal do Brasil” e, três meses depois, era contratado e abandonava a escola, onde aprendi muito para minha vida profissional, assim como os ex-alunos Euclydes Marinho, grande roteirista de “Malu mulher” e “Felizes para sempre?”, e o celebrado fotógrafo Walter Carvalho, diretor de “Raul, o início, o fim e o meio”.

Hoje fiquei sabendo que a Esdi vai fechar, vítima da falência do Estado do Rio, da incompetência e corrupção de seus governos. Tenho vontade de chorar, tenho que fazer alguma coisa, nem que seja uma crônica no jornal.