quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Trump terá de enfrentar republicanos independentes para aplicar agenda


Marco Rubio e Donald Trump discutem em debate presidencial - Gary Coronado / AP

Henrique Gomes Batista - O Globo


Senadores já se posicionam abertamente contra propostas do futuro presidente


WASHINGTON - Em teoria, o presidente Donald Trump tem um caminho fácil para implementar seus projetos: tanto o Senado, quanto a Câmara dos Representantes são controladas por seu partido, o Republicano. Mas especialistas advertem que a relação pode não ser tão simples. Diversos pontos podem afastar os aliados e já há um grupo de quatro senadores, mais independentes, que começa a se posicionar contra as propostas de Trump, que assume o governo na sexta-feira.

Em entrevistas, o presidente eleito já disse que não deixará o Congresso “esfriar”. Ou seja, quer aprovar rapidamente suas medidas. Este pode ser o primeiro conflito: o rito do Legislativo é muito diferente do meio empresarial, ao qual Trump está acostumado. Além disso, há posições diferentes entre a Casa Branca e o Capitólio em diversos pontos, como Orçamento, tributos e detalhes das mudanças no sistema de saúde do país.

Mas a maior fonte de possíveis confrontos é o estilo do novo presidente. A falta de experiência de negociação legislativa pode gerar mal-estar entre deputados e senadores, principalmente após as críticas diretas e cobranças explosivas de Trump.

— O Congresso terá seus próprios interesses, o que o tornará resistente a ser ordenado pelo presidente Trump — afirmou ao GLOBO o cientista político David Schultz, da Hamline University, de Minnesota. — Enquanto ele continuar a lutar contra a realidade da política americana, não chegará a lugar nenhum. Por outro lado, como as audiências de confirmação de secretários para o novo Gabinete estão começando a mostrar em áreas como assuntos externos e Inteligência, há uma forte e poderosa burocracia que vai esmagar Trump, se ele não aprender a lidar com ela.

Neste cenário, quatro nomes parecem surgir como a linha de frente da “oposição” de Trump dentro do próprio partido: os senadores John McCain, Rand Paul, Marco Rubio e Lindsey Graham — Paul, Rubio e Graham enfrentaram Trump nas primárias do partido para a escolha do candidato presidencial. Os quatro já se opuseram publicamente ao magnata em temas como saúde e na indicação do novo Secretário de Estado, Rex Tillerson, próximo de Moscou e já condecorado pelo presidente russo, Vladimir Putin. Se o quarteto mudar de lado, a maioria republicana de 52 senadores acaba, e os democratas conseguirão barrar a indicação de novos nomes e rejeitar leis.

Trump, que já havia no passado rompido com McCain, critica diretamente o grupo e afirma que eles são contra suas propostas por terem perdido a nomeação. A baixa popularidade do bilionário — apenas 40% aprovam seu nome, menor percentual de um presidente nas vésperas da posse — é outro complicador:

— Se sua popularidade continuar a cair, ou não se fortalecer, os membros do Congresso não terão incentivos para se arriscar (contra suas bases) por Trump — ressaltou Michael Steele, ex-presidente do Partido Nacional Republicano, ao site “The Hill”.



Mudanças em Washington. Com o Capitólio ao fundo, grupo de pedestres corre para pegar um ônibus na capital americana, tomada pelos preparativos para a posse de Donald Trump - John Minchillo / AP

Por outro lado, alguns lembram que os instintos de sobrevivência e oportunidade de Trump e do Congresso podem falar mais alto. Após oito anos bloqueados por Barack Obama, os republicanos sabem que têm a chance de ouro de aprovar suas leis — mesmo que precisem superar problemas com o presidente eleito. E Trump sabe que seu futuro depende de que algumas ações virem realidade:

— A visibilidade de Trump será quase certamente maior do que a dos antecessores, dada a sua propensão para o teatro e seu desejo de sempre ser o mestre de cerimônias. E isso aponta para seu domínio sobre o Congresso. Ao contrário de Obama, é improvável que mergulhe nos detalhes da política. Em vez disso, apresentará apenas as grandes linhas de novas políticas e iniciativas, dando espaço aos congressistas — opina Peter Hakim, presidente emérito do Inter-American Dialogue.

O primeiro grande teste é a aprovação dos nomes de seu Gabinete. Algumas das audiências foram, novamente, polêmicas. Betsy DeVos, indicada para a pasta da Educação, afirmou que a atitude de Trump no passado, quando apareceu em um vídeo falando obscenidades a mulheres casadas, é um tipo de assédio — ela também foi um dos temas mais comentados nas redes sociais por dizer que as escolas podem ter armas para enfrentar ameaças como a de ursos pardos.

Scott Pruitt, escolhido por Trump para a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, afirmou que ainda há “algum debate” sobre o papel da atividade humana nas mudanças climáticas e defendeu o relacionamento com a indústria de combustíveis fósseis durante uma audiência de confirmação do Senado. Já o nome para a Secretaria da Saúde, Tom Price, foi duramente questionado por ter negociado ações de seguradoras quando debatia temas que interessavam ao setor durante seu mandato como deputado. Assim como outros indicados, que muitas vezes, nas sabatinas, opuseram-se às propostas de Trump, Betsy, Pruitt e Price também mostraram que o jogo do Executivo com o Congresso será pesado.


- Pontos de atrito -

Velocidade: Trump já reclamou dos ritos do Congresso e pediu pressa para aprovar seus projetos.

Agenda: Ele já ganhou a primeira queda de braço com os republicanos, ao fazê-los recuar no enfraquecimento do conselho de ética da Câmara. Na época, disse que tinha outras prioridades.

Recuos: Eleito com o discurso de acabar com o Obamacare, Trump já disse que a substituição pode durar dois anos, deve ser segura, e que ele pode negociar com farmacêuticas a redução dos preços dos remédios para Medicare/Medicaid — exatamente a posição democrata. Qual mudança prevalecerá?

Infraestrutura: Trump promete um pacote bilionário e pode querer usar recursos do Orçamento. Seu partido já barrou um pacote similar por Obama, preferindo que a iniciativa privada assuma. Como ficará?

Tributos: O presidente eleito quer aumentar o imposto para importações, mas o partido é contra e pode ser pressionado por grandes doadores e empresas dos estados.

Estilo: Trump não é dado a gentilezas e traquejo político. Como os senadores, da Casa mais empolada do Congresso, vão aceitar as falas diretas, as críticas e as cobranças explosivas de Trump?