As atividades de ciência, no Brasil, costumam ficar em segundo plano na hora de se definir prioridades na distribuição dos gastos públicos. Embora reconheçam cientistas que, na fase de bonança, no início da década, laboratórios e projetos de pesquisa tenham sido bem contemplados por verbas oficiais.
Na crise fiscal, a ciência brasileira voltou a seus piores momentos. Em 2011, O GLOBO entrevistou 112 profissionais do ramo e pôde constatar a satisfação quase unânime com o apoio às pesquisas.
No segundo semestre do ano passado, entrou em contato com cem membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC), e o clima era outro: 23% deles cogitavam sair do país, 76% reclamavam da falta de apoio dos governos às pesquisas, enquanto 64% confirmavam que a dificuldade na aquisição de insumos para os laboratórios atrasava ou mesmo inviabilizava pesquisas.
Por sinal, foi devido a esse problema que a neurocientista Suzana Herculano-Houzel fechou seu laboratório na UFRJ e foi trabalhar na Universidade de Vanderbilt, na cidade americana de Nashville.
A comunidade científica enfrenta problemas de escassez de recursos desde 2015, em órgãos federais — Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por exemplo — e em fundações estaduais de amparo à pesquisa, entre elas a Faperj.
Neste ano, o cenário não muda: o Orçamento aprovado pelo Congresso prevê R$ 1,1 bilhão para bolsas, R$ 200 milhões a menos que no ano passado, já um período de dificuldades. Ainda assim, tudo a depender do comportamento da arrecadação de impostos, afetada de forma drástica pela profunda recessão iniciada em 2015.
Restaria a alternativa do setor privado. Dos 112 entrevistados no segundo semestre do ano passado, 28 disseram que as empresas estavam mais distantes dos laboratórios.
O relacionamento entre setor privado e a atividade de pesquisa e desenvolvimento (P&D), na área pública, nunca foi bem resolvido no país. Há nichos acadêmicos que voltam as costas ao setor privado e empresas que desdenham da pesquisa. O resultado é que, enquanto no Brasil 50% dos gastos em P&D são de responsabilidade da iniciativa privada, nos Estados Unidos, China e Coreia do Sul esta parcela é de 60%, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Embora o setor tenha experimentado algum desafogo no início da década, a ciência no Brasil não teve mudanças estruturais : segundo a ABC, o país conta com 710 cientistas por cada milhão de habitantes, contra 7.600 no grupo de 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Não bastará, portanto, voltar à situação de antes da crise fiscal. É preciso fazer bem mais.