sábado, 7 de janeiro de 2017

"Ocidente vive queda de confiança", por Leonid Bersishidsk LEONID BERSHIDSK

O Globo

Alguns veem o abismo de confiança como consequência da crescente desigualdade econômica, mas a questão não é tão simples assim



Muitos americanos ficam indignados ao verem Donald Trump ironizar a palavra “inteligência” quando se refere aos órgãos de segurança americanos. Parece uma heresia desafiar a sabedoria e a competência de instituições encarregadas de resguardar a segurança e a liberdade. Como russo, apenas dou de ombros: nunca acreditei numa só palavra vindo dos serviços de inteligência do meu país. Esta distância cultural, no entanto, está diminuindo. As sociedades ocidentais estão ficando cada vez mais desconfiadas.

Há duas décadas, Francis Fukuyama — o homem que, também com irreverência, declarou que a História estava morrendo e que um paraíso liberal e democrático nascia — relacionou confiança à prosperidade. Ele argumentou que as sociedades com maior confiança entre seus membros, tais como EUA, Japão e Alemanha, se saíam melhor do que aquelas com um grau menor de confiança, tais como China, Itália, França ou Coreia. A evidência econômica não tem apoiado tal teoria, mas pelo menos se pode dizer que uma sociedade mais confiável é mais agradável para se viver, sobretudo porque não é necessário se esforçar para provar a pureza das intenções.

O comunismo destruiu a confiança em cada país onde reinou. Um Estado controlador e inconfiável definiu o tom das interações sociais e praticamente convidou as pessoas a lutarem contra ele ou a enganá-lo. E a aniquilação da confiança sobreviveu ao comunismo. 

Muitos pesquisadores que se debruçaram sobre o fenômeno concluíram que isso tem a ver com o desenvolvimento econômico: se as instituições e as relações interpessoais não conseguem produzir bem-estar, elas não merecem confiança. Ambientes com baixa credibilidade são inadequados para uma democracia robusta: rapidamente se degeneram em guerras internas e paralisia.

Em razão disso, nações com baixa confiança geralmente se submetem prontamente a regras draconianas. Um autoritário como o presidente russo Vladimir Putin não se preocupa em gerar confiança: ele pode governar por outros métodos, tais como canalizar as frustrações contra supostos inimigos externos. Viktor Orban, da Hungria, e Jaroslaw Kaczynski, da Polônia, também seguem por esta trilha. Monopólios de poder e governos com mãos de ferro, porém, tendem a excesso de regulamentação e corrupção, economia em desaceleração e perpétua desconfiança em relação aos governos e entre as pessoas.

Segundo a empresa de marketing Edelman, que mede o fenômeno desde a virada do século, a confiança em instituições nos EUA ainda não é tão baixa quanto na Europa Oriental, mas a diferença não é grande. Entre a população geral, a confiança média em organizações não governamentais, governo, mídia e empresas alcança 49% nos EUA; 39% na Rússia e 35% na Polônia. São os americanos com nível universitário que têm, de longe, maior grau de confiança nas instituições do país frente a seus pares da Europa Oriental. 

Isso explica a irritação dos americanos de nível universitário com a falta de confiança de Trump nos órgãos de inteligência. Edelman classifica isso de “abismo de confiança” entre o “público informado” e a “massa da população”. Essa distância tem se ampliado em boa parte do mundo, sobretudo em França, Reino Unido e EUA.

Alguns veem o abismo de confiança como consequência da crescente desigualdade econômica, mas creio que as altas correlações entre prosperidade econômica e níveis de confiança levaram os pesquisadores a simplificar demais a questão e a sugerir que a desconfiança pode ser invertida mediante a redução da desigualdade. Mas as pessoas não são cães de Pavlov, e não respondem unicamente a estímulos econômicos. Elas também acreditam em instituições que, ao longo do tempo, construíram reputações de confiabilidade.

Enquanto na Europa Oriental a desconfiança é universal, e os resultados são relativamente previsíveis, no Ocidente, a relativa capacidade de confiança das elites criou o potencial para surpresas surpreendentes. Trump e os partidários do Brexit venceram porque não ignoraram uma massa desconfiada — aprenderam a pensar como esse público e ver as instituições através de seus olhos.

Três diferentes resultados são possíveis. Um seria uma versão de Putin, Orban ou Kaczynski: ignore a desconfiança, use as instituições para impor uma agenda e mantenha as pessoas sob controle. Trump pode sentir-se tentado a seguir por aí, embora os pesos e contrapesos das instituições americanas sejam desenhados para resistir a usurpadores. 

Outra possibilidade seria um relativo caos, algo parecido com o que os britânicos pró-Brexit parecem ter criado no país. Quanto à terceira possibilidade, que é imperativa para o Ocidente, nenhum país a adotou com sucesso: a reconstrução da confiança universal em suas principais instituições. Como salientou Fukuyama: é mais fácil destruir a confiança do que reconstruí-la.

Leonid Bershidsky é colunista da Bloomberg News