A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, discutirá nos próximos dias com os outros nove ministros da Corte o futuro dos processos relacionados à Lava Jato. Não há, por ora, consenso quanto à substituição do relator Teori Zavascki, morto num acidente aéreo, nesta quinta-feira.
Parte dos ministros acha que os processos devem ser herdados pelo substituto de Teori, a ser indicado por Michel Temer. Outra ala defende que o caso seja redistribuído, por sorteio, para um dos atuais ministros. Há previsão no regimento do Supremo para as duas alternativas. Caberá a Cármen Lúcia fazer uma opção.
“Já tivemos indicações de ministros que demoraram nove meses para acontecer”, disse ao blog Marco Aurélio Mello, referindo-se à substituição de Joaquim Barbosa, que se aposentou após a conclusão do julgamento do mensalão. A então presidente Dilma Rousseff levou o prazo de uma gestação para preencher a vaga com a indicação do atual ministro Luiz Edson Fachin.
Marco Aurélio prosseguiu: “Agora, o que temos? Há uma regra [prevista no artigo 38 do regimento interno do Supremo]. Os processos ficam aguardando a chegada do sucessor do ministro que faleceu. Indaga-se: em se tratando de procedimentos que exigem sequência, deve-se aguardar? A meu ver, não. Se eu fosse presidente do Supremo, determinaria a redistribuição imediata, por sorteio, dos inquéritos e processos” da Lava Jato.
Alcançado pelo blog em Lisboa, onde recebeu a notícia da morte de Teori, o ministro Gilmar Mendes manifestou opinião diferente. Acha que convém aguardar a indicação do substituto de Teori. Admite exceções. Mas “apenas nos processos urgentes.” O próprio Gilmar abriu exceções em 2009, quando morreu o ministro Menezes Direito.
Presidente do Supremo na época, Gilmar lembra que autorizou “a redistribuição dos processos urgentes, aqueles que tinham pedido de liminar, habeas corpus, mandados de segurança e coisas do gênero [como prevê o artigo 68 do regimento interno do Supremo]. Os outros processos aguardaram a chegada do substituto.”
O artigo 68 do regimento interno, que enumera os casos em que o presidente do Supremo pode determinar a redistribuição de processos, contém uma regra extremamente liberalizante. Consta do parágrafo 1º: “Em caráter excepcional poderá o presidente do Tribunal, nos demais feitos, fazer uso da faculdade prevista neste artigo.”
Traduzindo para o português do asfalto: Se quiser, Cármen Lúcia pode, excepcionalmente, determinar que todos os processos relacionados à Lava Jato migrem do gabinete de Teori para a mesa de um dos seus atuais colegas.
O blog perguntou a Gilmar Mendes: Não acha razoável que a Lava Jato seja considerada em bloco como um caso em que se justifica a troca imediata do relator? E ele: “Creio que não. Até porque é um processo muito complexo, com ritmo muito diferente. Não tenho plena certeza, mas creio que há quatro denúncias recebidas, que estão tendo um trâmite normal. Tem algo como 40 ou 50 inquéritos abertos, cujas investigações estão andando normalmente.”
E quanto à homologação dos 77 delatores da Odebrecht? “Creio que a coisa mais urgente é essa homologação, que não conheço”, respondeu Gilmar. “Mas essa coisa talvez possa entrar como medida excepcional.” Nesse caso, seria escolhido um relator provisório. “Até porque as delações, se homologadas, terão efeitos nos processos que estão no Supremo, com a abertura de novos inquéritos, e também em inquéritos que estão em outras instâncias” do Judiciário.
Se Cármen Lúcia optar por exercer o poder que o regimento lhe confere, determinando a transferência dos processos da Lava Jato para outro ministro, o Supremo terá de dissolver outra dúvida.
O ministro Marco Aurélio resume a encrenca: “O sorteio do novo relator, pela minha ótica, deve ser feito entre os integrantes do órgão ao qual estava integrado o juiz que faleceu: a Segunda Turma. Mas o Supremo já fez redistribuições considerados todos os seus integrantes para efeito de sorteio. Vamos ver qual vai ser o pensamento da ministra Cármen Lúcia.”
Os processos criminais são julgados no Supremo por duas turmas. Cada uma é composta de cinco ministros. Cármen Lúcia, como presidente, não integra nenhuma delas. A Lava Jato é atribuição da Segunda Turma. Com a morte de Teori, restaram os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e o decano Celso de Melo. A prevalecer a opinião de Marco Aurélio, um deles herdaria os autos da Lava Jato.
O problema é que o escândalo envolve autoridades que só podem ser julgadas pelo plenário do Supremo, onde têm assento todos os ministros da Corte. É o caso do próprio Michel Temer, mencionado na delação da Odebrecht. Por isso o sorteio teria de envolver também os integrantes da Primeira Turma: Luiz Fachin, Luis Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Marco Aurélio.
Gilmar Mendes menciona uma outra saída que pode, eventulamente, compor o leque de alternativas: “Pode também ocorrer a mudança de alguém da Primeira Turma para a Segunda Turma, ocupando a vaga” aberta com a morte de Teori. Nessa hipótese, o ministro que trocasse de turma assumiria a Lava Jato. ''Qualquer que seja a solução, o processo vai sofrer atrasos'', disse Gilmar. ''Ninguém conhece esse caso no Supremo com a profundidade que o Teori conhecia.''