quinta-feira, 11 de outubro de 2018

"A força da democracia", por Carlos Alberto Sardenberg

Calma, pessoal: nem o Brasil vai virar uma Venezuela, nem voltar à ditadura militar. Enquanto petistas denunciam o militarismo de Bolsonaro, e os bolsonaristas atacam o bolivarianismo de Haddad — disputa dominante nas redes sociais —, os dois candidatos caminham na direção do centro e da moderação.
Nenhum deles, ainda, escreveu carta ao povo brasileiro, mas fizeram clara manifestação na entrevista ao “JN”. Ambos descartaram a proposta de tentar uma nova Constituição — que seria o passo inicial de mudança de regime. Bolsonaro desautorizou seu vice, o general Mourão, que falara na viabilidade de um “autogolpe”. Haddad desclassificou a fala de José Dirceu, para quem o objetivo do PT é tomar o poder, não apenas ganhar a eleição.
Pode-se suspeitar que essas manifestações foram da boca para fora. E, de fato, no campo petista, há muita conversa bolivariana. Por exemplo:
— os ataques à imprensa, que levam às propostas de “controle social da mídia”, uma censura mal disfarçada;
— a defesa de líderes que promoveram o petrolão, um assalto ao Estado para comprar a política, a maior ofensa à democracia praticada desde o fim do regime militar;
— a defesa de ditaduras esquerdistas;
— e, claro, a Globo é a culpada pela disseminação da extrema direita.
No campo bolsonarista, então, encontram-se ideias e condutas autoritárias para qualquer lado que se olhe. Por exemplo:
— o problema da segurança se resolve com a matança do maior número possível de bandidos, para o que é preciso armar os cidadãos, quando se sabe que as melhores polícias do mundo são também as que menos matam;
— minorias de todos os tipos, na política e nos costumes, devem ficar caladas e seguir as regras ditadas pela maioria, uma violação ao mais simples princípio democrático, que preza o respeito e garante a voz das minorias;
— a desumanidade do imperdoável elogio a torturadores;
— e, claro, a Globo é a culpada pela disseminação do esquerdismo.
Há mais barbaridades e mentiras nas redes, mas fiquemos com estas amostras.
A questão é outra. Por que Haddad precisou dizer explicitamente que o PT não quer conquistar o poder? Porque se continuar com esse viés ideológico, não ganha nem a eleição.
E lá se vai ele para o centro, para tentar ganhar a eleição — objetivo, aliás, difícil, dada a enorme diferença de votos do primeiro turno. Reparem: gostando ou não, contrariando ou não os seus radicais sinceros, Haddad nem ganharia a eleição nem conseguiria governar se ficasse só com sua turma.
Resumindo: o PT foi de Lula para garantir a posse de sua base; agora vai de Haddad para buscar alguma coisa no centro e no anti-establishment dominantes. A chance é remota, mas é a única.
Já Bolsonaro está mais confortável. É favorito, sobretudo pela clara ascensão no final do primeiro turno. Ele precisa de poucos votos para confirmar a vitória e deve contar com parte do eleitorado que escolheu candidatos de direita e centro.
Está tão confortável que nem parece preocupado em obter apoios, por exemplo, dos candidatos a governador que foram ao segundo turno. Tem ocorrido um movimento contrário: candidatos estaduais declarando voto em Bolsonaro, sem qualquer negociação prévia, tentando pegar a onda conservadora.
O risco para Bolsonaro está do lado dele mesmo: uma declaração muito errada, algo de extremo radicalismo, antidemocrático, o abandono das propostas liberais em política econômica, ações violentas de seus seguidores.
Assim como Haddad não vai perder seu eleitorado e a militância mais à esquerda, mesmo que se aproxime do centro, também Bolsonaro não vai perder sua base mais radical no caso de um mesmo movimento.
Mas pode perder os líderes e eleitores que têm visão liberal e democrática, não apreciam a extrema direita, acham que Bolsonaro é um candidato fraco, mas menos ruim que a opção petista. Esse pessoal pode ir, por exemplo, para o voto nulo.
Foi a força da democracia, manifestada na votação de domingo, que levou os candidatos a jurar pela Constituição. Seria bom que não ficassem só nas declarações, mas tratassem de segurar seus radicais.
O Globo