Funciona na Inglaterra ou no Quênia, na Austrália ou na Índia, na Nova Zelândia ou nos Estados Unidos. Em todas as democracias de DNA saxônico apoiadas no sistema de eleição distrital pura, a célula básica é o school board. Esses conselhos diretores das escolas públicas são diretamente eleitos pelos pais dos alunos do bairro ao qual cada escola serve. Normalmente têm sete membros, eleitos de dois em dois anos de carona nas eleições municipais ou nacionais, em grupos alternados - três numa eleição, quatro na seguinte - para mandatos de quatro anos. Como acontece com todo funcionário diretamente eleito nessas democracias, eles podem sofrer uma retomada de mandato(recall) a qualquer momento se seus eleitores acharem por bem fazê-lo.
A elo de ligação entre os eleitores e cada membro desses conselhos é o endereço. Tanto os candidatos quanto os eleitores têm de ser moradores do bairro. O conselho eleito nomeará o diretor da escola e aprovará ou não os seus orçamentos anuais e os seus planos educacionais, de forma totalmente independente do estado e do grupo político que o estiver controlando no momento (e você sonhando com “escola sem partido”...).
Nos EUA esses conselhos têm ainda a prerrogativa de emitir títulos de dívida para fazer melhoramentos, comprar equipamentos, construir novos prédios ou mesmo contratar mais professores ou aumentar os salários deles. O estado só interfere para aumentar verbas das escolas das comunidades sem condições de bancar as próprias melhorias.
Seguindo uma norma de alcance nacional, a emissão de qualquer título de dívida pública tem de vir acompanhada de um projeto mostrando quanto dinheiro vai ser captado para fazer exatamente o quê, em quanto tempo e a que custo o título vai ser resgatado, quem e como vai pagar a operação. Normalmente a fórmula usada para pagar investimentos em escolas é adicionar um aumento temporário no imposto territorial do bairro (IPTU) servido por ela. Tudo definido, o projeto aparecerá na cédula da próxima eleição nacional ou municipal para um “sim” ou um “não” somente da comunidade afetada (controlado pelo endereço de cada eleitor).
O mesmo princípio aplica-se aos distritos eleitorais e às obras e serviços públicos municipais ou estaduais. No sistema de eleição distrital pura, divide-se o número total de habitantes pelo número de representantes desejados para cada instância - câmaras de vereadores ou assembleias legislativas, por exemplo. A unidade contada é sempre o número de habitantes, e não o de eleitores, porque é obrigatório que o distrito eleitoral tenha uma correspondência com um elemento físico que possa ser aferido. Como na média nacional a um determinado número de indivíduos, habitações ou famílias corresponde um mesmo número médio de eleitores, o que vale é o endereço. Um distrito eleitoral municipal será, portanto, uma soma de distritos escolares. Uma soma de distritos municipais dará um distrito estadual e uma soma de distritos estaduais dará um distrito nacional. Com 513 congressistas teríamos distritos de mais ou menos 400 mil habitantes neste Brasil de 207 milhões. Nos EUA, com 325 milhões e 435 deputados, cada distrito federal tem aproximadamente 700 mil habitantes. Todos esses distritos e subdistritos serão desenhados sobre o mapa da nação e, uma vez feito isso, só poderão ser alterados com base no censo nacional, a cada 10 anos. Cada candidato a uma função pública - seja ao conselho diretor de uma escola, a uma câmara de vereadores, a uma assembleia legislativa ou ao congresso nacional - só poderá concorrer por um distrito eleitoral. E cada distrito eleitoral elegerá apenas um representante.
Assim, cada representante eleito saberá exatamente o nome e o endereço de cada um dos seus representados, e vice-versa. O congressista americano não é o representante do estado fulano, é o representante do distrito eleitoral número tal. Não há vices nem suplentes. Em caso de vacância será convocada uma eleição extraordinária somente naquele distrito para eleger o substituto.
Qualquer eleitor pode iniciar uma petição de retomada de mandato (recall) do seu representante. Cada bairro, cidade ou estado - as instâncias até onde vale esse recurso - estabelece o número mínimo de assinaturas necessárias para qualificar uma retomada(em geral algo entre 5% e 10% dos eleitores de um distrito). O secretário de estado municipal ou estadual, funcionário que existe só para organizar essas “eleições especiais” que acontecem a toda hora, confere as assinaturas. O distrito então decide no voto, do orçamento da escola publica do bairro à construção de uma nova estrada no seu estado, a compra de mais carros da polícia da sua cidade ou o salário dos seus funcionários. Tudo, sempre, votado e pago diretamente só pelos cidadãos afetados. Espaço zero para roubalheiras.
Juízes também. Ninguém é onipotente. A cada quatro anos o nome de cada um deles aparecerá na cédula da eleição na sua comarca com a pergunta: “O juiz fulano fica mais quatro anos?”. “Sim” ou “não”.
Leis de iniciativa popular cuidando desde casamento gay e maconha até leis penais ou proibição de aumento de impostos sem aprovação de quem vai pagá-los passam por esse mesmo processo. Coleta de assinaturas e qualificação e subida à cédula da próxima eleição para aprovação direta.
Para a eleição de novembro agora, quase 180 questões de alcance estadual se qualificaram para aparecer nas cédulas de todo o país. Milhares de outras de alcance municipal - leis, processos de retomadas de mandatos de conselheiros escolares e funcionários eleitos (todos os que têm função de fiscalização do governo ou contato direto com o público) também estarão nelas. O povo, senhor absoluto e irrecorrível dos políticos, decide tudo no voto.
Assim, na próxima vez que você vir a sua eleição nacional ser apurada em duas horas, não fique todo orgulhoso. Você está sendo enganado. Isso que existe por aqui tem uma vaga semelhança com democracia, mas não é.
JORNALISTA
O Estado de São paulo