Guedes, por sua vez, não explicou como várias de suas sugestões ficarão em pé. Analistas são unânimes em afirmar que, para retomar o crescimento econômico mais vigoroso e permitir que o Brasil volte a gerar emprego — há 12,7 milhões de desempregados —, o primeiro passo é tirar o país da insolvência fiscal em que se encontra. Para isso, a reforma da Previdência é a agenda prioritária.
Mas nem neste tema as propostas de Bolsonaro e do seu “posto Ipiranga” Paulo Guedes são claras. Uma das ideias é criar um regime de capitalização para a Previdência. Hoje, o país adota o modelo de repartição — no qual trabalhadores da ativa custeiam a aposentadoria dos mais velhos. Na capitalização, cada trabalhador teria a sua própria poupança e esses recursos, no futuro, garantiriam sua aposentadoria.
O problema é como fazer a transição, ou seja, como migrar os novos trabalhadores para a capitalização e bancar a aposentadoria de quem hoje depende do regime de repartição. Não está explícito, nas propostas de Guedes, como fechar essa conta, que pode chegar a R$ 100 bilhões.
Contas que não fecham
Mas o mercado deu um voto de confiança a Bolsonaro acreditando que ele escolheu uma equipe comprometida com a agenda de reformas, sendo que a primeira da fila será a da Previdência, segundo auxiliares da campanha. O regime de aposentadorias fechou 2017 com rombo de R$ 269 bilhões. Segundo o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, o nome de Guedes ajuda a segurar as apostas dos analistas:
— Há incertezas em relação ao novo governo. Mas, quando o mercado comparou os dois candidatos que ficaram no segundo turno, foi Bolsonaro quem mostrou um perfil mais alinhado com o tripé de câmbio flutuante, controle da inflação e equilíbrio das contas públicas.
Esse voto de confiança, porém, tem prazo de validade, diz Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B:
— O mercado está em lua de mel, mas há alguns elementos de autoengano, dada a dificuldade de fazer a consolidação fiscal no Brasil. Vai depender da formação da equipe, da capacidade em lidar com o Congresso e de convencer a sociedade de que é preciso fazer a reforma da Previdência, porque sem isso o Estado não conseguirá sequer entregar serviços básicos como educação, saúde e segurança. É uma ambição pouco realista falar em zerar o déficit fiscal em 2019 e ter superávit em 2020.
Frischtak se refere à proposta de Guedes de acabar com o rombo nas contas públicas logo no primeiro ano de governo. Nos últimos 12 meses, o déficit é de R$ 97,6 bilhões.
O guru econômico de Bolsonaro também propõe isentar do Imposto de Renda (IR) de quem ganha até cinco salários mínimos e adotar alíquota única de 20% para as demais faixas. Mas, com as contas públicas no vermelho pelo quinto ano seguido, a equipe de Bolsonaro não explica como compensar a queda na arrecadação com a mudança no IR.
Para o senador José Serra (PSDB-SP), o quadro econômico tende a ser relativamente favorável no primeiro e no segundo ano de governo, graças a uma situação confortável nas contas externas e na inflação:
— O desafio vai pelo lado das expectativas dos agentes econômicos. Se os empresários acharem que a economia irá bem, ela irá bem, porque vão aumentar os investimentos.
Na campanha, a equipe de Bolsonaro criou 29 grupos de trabalho para discutir propostas. As discussões mais avançadas estão na Previdência, mas ainda não há definição. Os auxiliares da campanha também endossaram a ideia de que é preciso preservar o teto dos gastos públicos, apesar das dificuldades na gestão do Orçamento devido a seu engessamento.
Hoje, mais de 90% das despesas são obrigatórias. O teto de gastos, criado por Temer em 2016, prevê que, por 20 anos, as despesas do governo ficarão congeladas, ou seja, só poderão subir no mesmo ritmo da inflação.
— Romper o teto dos gastos seria uma loucura. O governo vai fazer de tudo para que isso não ocorra — disse uma fonte da campanha .
Economistas com visão mais crítica citam a pouca experiência na máquina administrativa da equipe que está chegando ao governo como fator de preocupação.
Desemprego
A proposta de Paulo Guedes para atacar o desemprego, sobretudo entre jovens, é criar um novo tipo de contrato, a “carteira verde e amarela”, que só estaria disponível para quem tem entre 20 e 25 anos. O empregado abriria mão da contribuição patronal para o INSS e poderia investir livremente os recursos do FGTS.
Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, avalia que a reforma trabalhista do governo Temer foi na direção correta, de flexibilizar regras e reduzir processos:
— Acabamos de fazer uma reforma trabalhista, não há por que fazer uma nova. Mais importante é melhorar a produtividade de empresas e trabalhadores. É preciso reduzir incentivos, desburocratizar, promover a concorrência nas empresas. E capacitar melhor os trabalhadores.
Desburocratizar é também fundamental para a retomada dos investimentos em infraestrutura, diz Frischtak, da Inter.B. Nos últimos anos, o país destinou menos de 2,38% do PIB, patamar considerado o mínimo necessário para manter a atual rede de infraestrutura — ou seja, os ativos de transportes, telecomunicações, energia e saneamento estão se deteriorando. Este ano, a Inter.B estima que o país vá investir só 1,70%.
Segundo o economista — que assessorou a presidenciável Marina Silva (Rede) e cujos estudos têm sido citados em círculos da campanha de Bolsonaro —, a privatização é indispensável, diante da incapacidade de o Estado investir. Paulo Guedes propõe usar recursos obtidos com a venda de estatais para zerar o déficit público. Mas Frischtak lembra que “há diferentes visões” dentro da equipe de Bolsonaro. Recentemente, o capitão refutou a possibilidade de privatizar a geração de energia.
— Realisticamente, não se consegue zerar o déficit com a venda de estatais. Na melhor das hipóteses, vamos levar de oito a dez anos para reduzir o tamanho delas. Tivemos um exemplo recente dessas dificuldades, quando o Senado rejeitou a venda de subsidiárias deficitárias da Eletrobrás — lembra Frischtak.
Luciana Rodrigues e Martha Beck, O Globo