terça-feira, 30 de outubro de 2018

"Pequenez na derrota", editorial da Folha de São Paulo

Haddad esteve longe de mostrar a capacidade de liderar uma oxigenação do discurso do PT



Treze anos no poder não fizeram do PT uma oposição mais madura. Desde a deposição de Dilma Rousseff, em 2016, o partido retrocedeu ao esquerdismo panfletário, acrescido de fantasias persecutórias, em busca de preservar seus nichos mais fiéis —e à custa de intensificar sua rejeição no restante majoritário do eleitorado nacional.
Derrotado na disputa presidencial deste domingo (28), Fernando Haddad esteve longe de mostrar a capacidade de liderar uma oxigenação do discurso e das práticas da sigla. Dificilmente poderia ser promissor, nesse contexto, o pronunciamento que fez quando já se conhecia o veredito das urnas.
Voltaram, previsivelmente, os queixumes contra o impeachment de Dilma e a “prisão injusta” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silvacondenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
A “tarefa enorme” que disse ver pela frente seria “defender o pensamento e as liberdades desses 45 milhões de brasileiros [foram 47 milhões ao final da apuração]” que nele votaram. A despeito do adjetivo empregado, a missão não abarca a maioria que fez outra escolha.
Haddad também não seguiu o rito democrático de cumprimentar de pronto o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), pela vitória. Só veio a fazê-lo nesta segunda-feira (29), por meio de uma rede social. Menos mal, mas ainda assim sintomático da propensão petista a negar legitimidade aos adversários.
O PT recebeu um respeitável mandato oposicionista no pleito, no qual elegeu 56 deputados federais e quatro governadores. Ainda mais eloquente, entretanto, foi a ampla e aguda rejeição ao partido —maior entre os votantes mais ricos e escolarizados dos grandes centros urbanos, mas elevada em quase todos os estratos e regiões.
Mais que tolice, soa a ofensa a insistência em atribuir tal sentimento a elitismos ou preconceitos. O autoengano servido à militância contribui para envenenar o ambiente político, enquanto a sigla mantém o culto a líderes flagrados em desmandos e se esquiva de reconhecer seus erros econômicos.
Talvez aposte que, fazendo oposição agressiva, intransigente e dogmática, venha a colher os dividendos de um desgaste futuro, nada implausível, do governo Bolsonaro.
Bastaria, assim, oferecer ao público a tradicional receita de soluções fáceis, que desconhecem as limitações orçamentárias, e a mitologia dos anos de bonança sob Lula.
A ser esse o caso, cumpre recordar que nem a impopularidadedevastadora de Michel Temer (MDB) —para nem mencionar os temores despertados pela candidatura do capitão reformado— bastou para reconduzir os petistas ao Planalto.