“Os eleitores perdoam muitas coisas, mas nunca perdoam uma sociedade afundando na anarquia.”
Qual o analista, professor de ciências políticas ou outro gênio acadêmico que resumiu tão bem o espírito da coisa no Brasil?
Um simples e anônimo leitor do Daily News, o tabloide inglês que não é exatamente conhecido pela sofisticação das análises políticas.
As fake news e o poder das redes sociais foram o assunto central nessa eleição presidencial, obscurecendo um fator importante: a cobertura militante da imprensa estrangeira tradicional.
Obviamente o fenômeno não começou no Brasil, mas atingiu o ápice aqui pelas características conhecidas do presidente eleito.
Muito provavelmente sob o choque, mesmo que inconsciente, do tsunami digital, os correspondentes e analistas estrangeiros nem tentaram fazer de conta que queriam abranger o fenômeno em toda a sua complexidade.
Colocaram-se desde o início como militantes ativos contra o candidato eleito. Em alguns casos, o efeito foi involuntariamente cômico.
“Brasileiros desiludidos trocam a política da esperança pela política da raiva e do desespero”, dizia o título da coluna de Simon Tisdall, no Guardian.
A foto acompanhando o texto mostrava exatamente o oposto: festa, fogos e felicidade nas comemorações da vitória.
A cobertura militante do Guardian, um bastião da esquerda, falou aos convertidos. Não convenceu sequer os brasileiros que moram no Reino Unido, onde Jair Bolsonaro ganhou com 61,38% dos votos – mais do que no Brasil.
A única cobertura comparável à do Guardian, em intensidade e militância, foi do El País. Título de uma das reportagens: “A elite prefere um macho alfa”.
Numa pequena concessão à realidade, o autor admite que “ninguém ganha eleições sem penetrar em todas as camadas sociais”.
E por que será que houve esta penetração? Teriam os eleitores votado no vencedor por causa “daquilo” – o baú de barbaridades que carrega no currículo – ou apesar “daquilo”? Ou estariam os brasileiros viciados em testosterona?
O “ódio visceral ao PT”, mencionado em outra reportagem como uma espécie de desvio de caráter dos brasileiros, talvez tenha tido alguma influência. Testosterona e ódio têm lá suas interações químicas.
O site Bloomberg também fez uma cobertura razoável das eleições e tentou sair da bolha. Chegou a perguntar “por que existem gays que votam em Bolsonaro?”. Uma pergunta repetida pela agência AFP, incluindo, além de gays, negros.
Uma grande qualidade do jornalismo verdadeiro é publicar respostas surpreendentes, mesmo quando os repórteres não gostam delas.
“A minha situação como mulher negra é a mesma do meu vizinho branco ou a de um homossexual: estamos cheios de ser roubados e de pagar impostos sem ver resultados”, disse a auxiliar administrativa Priscila Santos à pergunta do repórter da AFP.
Viram como é fácil? Basta perguntar.
Prever desastres, rogar pragas e partir do princípio de que a democracia acabou no Brasil foram algumas das atitudes um pouco exageradas da imprensa internacional, que inevitavelmente usou Donald Trump como template.
Como tudo que pode dar errado, geralmente dá, os profetas do caos poderão dizer que acertaram.
Até a revista The Economist, que tem um histórico de erros em suas previsões sobre o Brasil, chamou Bolsonaro de “ameaça” e classificou a eleição presidencial de “uma escolha horrível” para os brasileiros, com um bom resumo dos fatos que levaram a tal situação. Só podemos torcer para tenha errado dessa vez também.
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