O restabelecimento da democracia brasileira se amparou numa Constituição perdulária aprovada por parlamentares que deviam o posto a um estelionato eleitoral —o que provavelmente explique boa parte das crenças e hábitos políticos desenvolvidos desde então.
Os constituintes eleitos pelo congelamento de preços do Plano Cruzado tratavam de colocar no papel as utopias do período, quando a inflação novamente a caminho do descontrole permitia acomodar no Orçamento todo aumento ilusório de despesas sociais.
Entretanto os excessos à esquerda de uma elite congressual hostil ao Executivo acabaram contidos pela reação do bloco conservador batizado de Centro Democrático, logo apelidado de Centrão —na época, com letra maiúscula.
Por desalentador que parecesse o contraste entre as ambições da redemocratização e a mesquinharia fisiológica do Centrão, era este que dispunha de votos e unidade.
Acabaram encaixados na Carta de 1988 tanto o novo aparato da seguridade como o velho Estado corporativista; proteção à empresa nacional e ensino superior público e gratuito; privilégios do funcionalismo e garantias ao patronato.
A eleição presidencial do ano seguinte foi vencida por um pseudo-outsider com uma plataforma de reformas liberais, mas o bloco conservador barrou a agenda e Fernando Collor acabou deposto.
Nos anos seguintes se estabeleceu a disputa entre PT e PSDB, este uma agremiação de centro-esquerda depois convertida a princípios econômicos mais ortodoxos, aquele uma frente de discurso radical e prática corporativa.
No debate político nacional, o mercadismo envergonhado dos tucanos passou a fazer as vezes da direita, enquanto a defesa convicta do statu quo estatal pelos petistas ficou com o lugar da esquerda.
Já o centrão, hoje com minúscula, fragmentou-se em nichos, partidos e blocos ocasionais, mas preservando, em seu conjunto, as benesses do poder e a condição de filtro conservador —capaz de conter ora uma privatização, ora um tributo sobre fortunas, ora o casamento entre homossexuais.
Pragmática, a massa parlamentar amorfa sabe que o momento exige providências para estancar a sangria orçamentária. É interesse do parasita manter vivo o hospedeiro.
Um ajuste básico, com um mínimo de interesses contrariados e apenas o suficiente para reduzir as tensões econômicas e políticas, deve ser o programa de governo tácito de um centrão expandido em 2019.
Foi o que se concedeu no Plano Real ao tucanato e a Lula no início de sua gestão. Ainda assim, a um preço elevado.
Folha de São Paulo