Texto do dia 31/05/2012
Por que Lula pediu a Nelson Jobim para patrocinar seu encontro com Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)?
Lula fora informado – mal informado – sobre uma série de viagens que Gilmar fizera na companhia do senador Demóstenes Torres (GO). Disseram-lhe que algumas – inclusive uma a Berlim – haviam sido financiadas pelo bicheiro Carlos Cachoeira. Para Lula, o julgamento do mensalão do PT é o julgamento do seu governo pela Justiça. A saída honrosa da presidência da República perderá parte do seu brilho se os mensaleiros forem condenados.
Um Gilmar em débito com a ética por ter viajado à custa de um contraventor seria uma presa fácil para Lula. O controle político da CPI de Cachoeira está nas mãos de Lula, segundo ele próprio repetiu diversas vezes durante a conversa com Gilmar. Lula estava disposto a salvar Gilmar de constrangimentos. Em troca… Sabe como é… Deu errado.
Gilmar coleciona os comprovantes de que ele e o STF pagaram a viagem a Berlim, onde mora uma de suas filhas. Antes ele passou por Granada, na Espanha, para participar de um seminário como palestrante. O que Gilmar não disse a Lula foi que voou duas vezes a Goiânia a convite de Demóstenes e em jatinho arranjado por ele. Quem pagou o aluguel do jatinho? Em um dos grampos executados pela Polícia Federal, Demóstenes foi flagrado pedindo um jatinho a Cachoeira para transportar um ministro do STF.
Por que somente depois de um mês Gilmar resolveu tornar público seu encontro com Lula?
Gilmar sentiu-se humilhado por ter dado satisfações a Lula a respeito de sua viagem a Berlim. Ele e a mulher Guiomar eram amigos do casal Lula-Marisa. Jantaram no Palácio da Alvorada algumas dezenas de vezes. Gilmar calcula que ele e Lula se encontraram mais de 100 vezes num período de oito anos. Em duas ocasiões, pelo menos, Gilmar salvou petistas de sérios apuros no STF.
Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda, foi um deles. Acusado de mandar quebrar o sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos, testemunha de suas frequentes idas a uma alegre mansão do Lago Sul de Brasília, Palocci acabou absolvido com o voto de Gilmar.
Por mais de um ano, Gilmar sentou em cima do processo que apontava Aloizio Mercadante como beneficiário da ação dos aloprados – funcionários da campanha de Lula à reeleição em 2006 que forjaram um dossiê para prejudicar as campanhas de Serra ao governo de São Paulo, e de Alckmin à presidência da Repúbica. Aloizio safou-se.
Tamanha ingratidão machuca, não é? Assim, no dia seguinte à reunião com Lula no apartamento de Jobim, Gilmar procurou o advogado Sigmaringa Seixas e revelou-lhe o que tinha ocorrido. Pediu para que a presidente Dilma Rousseff fosse informada a respeito. Estava magoado com Lula, mas ainda decidido a engolir em seco a humilhação.
Aí se deu uma reviravolta. Gilmar ficou sabendo por meio de um jornalista que Lula, mesmo depois do que ouvira dele, continuava dizendo que Gilmar viajara, sim, com Demóstenes à custa de Cachoeira. O caldo entornou. Gilmar temeu ser alvo de ataques do PT na CPI de Cachoeira. Vacinou-se tornando pública sua versão do encontro com Lula.
Por que Jobim desmentiu a versão do encontro publicada pela revista VEJA e avalizada por Gilmar?
Se tudo se passou conforme o relato de Gilmar, Lula teria incorrido em crime de tentativa de obstrução da Justiça. Gilmar afirma que Lula lhe dissera que encarregaria o ex-ministro Sepúlveda Pertence de convencer a ministra Carmem Lúcia a contribuir para o adiamento do julgamento do mensalão.
O ministro José Antônio Dias Toffoli hesita em votar. Foi Advogado-Geral da União durante parte do governo Lula e assessor do ex-ministro José Dirceu. Lula confidenciou que orientara Toffoli a votar, sim senhor. Por fim, Lula anunciou que procuraria para uma conversa o ministro Ayres Brito, presidente do STF. Queria tomar um vinho com Britto juntamente com o jurista que foi padrinho de sua indicação para ministro.
Jobim tinha duas maneiras de confirmar a versão de Gilmar. A direta: simplesmente confirmando-a sem restrições. A indireta: alegando que não assistira parte da conversa. Ficaria mal com Lula se escolhesse qualquer uma das maneiras. Se escolhesse a maneira direta, poderia ser apontado como cúmplice de tentativa de obstrução da Justiça.
Desmentir Gilmar não custou a Jobim apenas a amizade de Gilmar. Custou uma fatia de sua credibilidade. Porque o desmentido foi acompanhado de uma mentira. Ao repórterJorge Bastos Moreno, Jobim afirmou que o encontro de Lula era com ele. Que Gilmar apareceu em sua casa por coincidência. “Gilmar não sabia que encontraria Lula”, disse.
Em entrevistas a outros jornalistas, Jobim contou que Clara Ant, secretária de Lula, lhe telefonara três dias antes do encontro dizendo que Lula queria vê-lo e pedindo para que chamasse Gilmar. Jobim telefonou para Gilmar e o convidou. Gilmar aceitou na hora. Não estivera mais com Lula desde que Lula se descobrira portador de um câncer na laringe.