LONDRES - A arquitetura insípida e as fachadas de concreto pouco fazem para distinguir Curzon Square do que a cerca, no bairro londrino de Mayfair, mas foi ali que Charles de Gaulle escreveu um discurso que mudaria o destino de seu país e, segundo a própria crença, o faria cumprir seu destino.
Em 17 de junho de 1940, ainda tonto com a queda da França para a Alemanha nazista, três dias antes, de Gaulle viajou para Londres, onde emprestou o apartamento de um amigo no número três da dita praça (que, na época, se chamava Seamore Grove) e preparou uma convocação apaixonada às armas. No dia seguinte, transmitiu a mensagem na rádio da BBC, em um apelo direto e forte ao povo francês.
"Eu, General de Gaulle, no momento em Londres, convoco todos os homens e oficiais franceses que estão em solo britânico no momento, ou possam estar no futuro imediato, com ou sem suas armas; convoco todos os engenheiros e operários capacitados das fábricas de armamentos que estão em solo britânico no momento, ou possam estar no futuro imediato, que entrem em contato comigo."
A transmissão inicial de de Gaulle chegou a apenas algumas áreas da França ocupadas – as subsequentes, em 19 e 22 de junho, tiveram um alcance maior no território de Vichy –, mas hoje é considerada um dos momentos mais significativos da história do país, tendo sido reconhecida inclusive com praça própria em Paris, a Place du 18 Juin 1940.
Em um dia frio e úmido de fevereiro, olhei para o prédio que substituiu o apartamento emprestado em que de Gaulle ficou com as últimas palavras de seu discurso ecoando nos ouvidos: "Aconteça o que for, a chama da resistência francesa não deve e não vai se apagar."
E eu estava ali, no local onde o movimento nasceu, um dos marcos principais do legado do general.
Hoje em dia, as cicatrizes da Segunda Guerra Mundial já se encontram bem esmaecidas na porção central de Londres; é fácil esquecer que muitos dos edifícios novos substituíram a destruição causada pelas bombas da Blitz. Sob a superfície sofisticada, a lembrança do "melhor momento britânico", segundo a famosa descrição de Winston Churchill, permanece, obstinada, estimulada por uma sequência aparentemente interminável de livros, seriados e filmes com histórias da época.
Entre as histórias de resiliência britânica e coragem no dia a dia, a da Força dos Franceses Livres geralmente é ignorada. Sendo assim, quase 80 anos depois de sua chegada pouco cerimoniosa, eu me dispus a achar a Londres de Charles de Gaulle – e consegui entender o isolamento, a determinação e a sensação de cumprimento de destino que caracterizaram os três anos que passou aqui.
Em 1940, como hoje, Mayfair tinha um ar elitista emperdenido, endereço de embaixadas, bancos e a instituição mais britânica de todas: o clube masculino, que servia de núcleo social para membros privilegiados e seletíssimos. E foi nesse mundo exclusivo que caiu de paraquedas Charles de Gaulle, um homem de 49 anos, alto e estranho, recém-promovido à patente de general. Levou consigo apenas um colega: o assistente Geoffroy Chodron de Courcel, além de cem mil francos do fundo secreto do governo.
"No dia 18 de junho, ele era um homem só. Nem falava inglês, mas veio à Inglaterra porque precisava do apoio de Churchill. Sabia que, sem o suporte inglês, não haveria o movimento França Livre", explicou Hubert Rault, responsável pela organização dos passeios oferecidos por sua empresa, a de Gaulle in London, quando estávamos na Curzon Square.
De fato, Churchill foi um dos primeiros defensores do francês, ignorando o Gabinete Britânico quando esse tentou impedir o primeiro pronunciamento via rádio do general pela BBC. Dez dias depois, o primeiro-ministro reconheceu oficialmente de Gaulle como o líder do movimento. Como mais tarde escreveu em seu livro de memórias, acreditava que de Gaulle era "l'homme du destin" – o homem do destino.
Tendo Rault como guia, saí para conhecer os refúgios de de Gaulle em meio aos endereços elitizados do West End. Na St. James' Square, paramos para admirar um belo prediozinho georgiano que abrigava o Petit Club Français, bar dos tempos de guerra para os franceses exilados e seus amigos, onde hoje funciona o Clube Real Naval e Militar. A poucos passos de distância, paramos na Norfolk House, uma estrutura de tijolos ampla onde Eisenhower planejou a Operação Overlord, a invasão aliada mais conhecida como a Batalha da Normandia. Ao longo de Pall Mall, vimos surgir o Clube Real do Automóvel, em todo seu esplendor em estilo Beaux-Arts que, durante a guerra, oferecia adesão gratuita aos soldados do movimento que usavam o salão como refeitório.
A parte de trás do prédio dá para a Carlton Gardens, uma rua sem saída e sem movimento nenhum onde, no número quatro, uma casa alta e comum fazia as vezes de sede da Força dos Franceses Livres. Uma placa azul pequena homenageia de Gaulle, enquanto um segundo painel maior exibe uma versão de seu famoso apelo, decorado com bandeiras francesas, a Cruz de Lorena (símbolo da iniciativa) e, mais embaixo, a frase "Vive La France!".
Atualmente o prédio abriga a sede do Grupo Edmond de Rothschild, uma firma financeira particular, e fica fechado ao público. Estimulado por Rault, dei uma boa olhada nas janelas de canto do terceiro andar, reconhecendo um segundo par de molduras de madeira escura por trás da fachada mais nova. "Aquele era o escritório de de Gaulle. Fui convidado a conhecê-lo há alguns anos. Foi mantido exatamente como era." Uma foto do francês, tirada por Cecil Beaton, no Carlton Gardens, mostra um homem solitário parado diante de sua escrivaninha, braços cruzados, as feições parcialmente iluminadas pela luz que jorrava de fora.
Em 1940, um grupo pequeno e diverso de voluntários trabalhava em Carlton Gardens. (Na época do Dia D, o número chegava a 600.) Alguns eram soldados franceses que vinham servindo na Grã-Bretanha quando a França caiu; outros tinham ouvido o apelo de de Gaulle no rádio e superaram as situações mais inacreditáveis para atendê-lo. Esses homens e mulheres logo se veriam no olho da Blitz. "Foi uma grande parte do contexto da experiência de Gaulle. No início, ninguém acreditava que dava para ganhar a guerra", comentou Rault. Os ataques aéreos quase diários – que duraram oito meses e mataram mais de 43 mil civis – levaram os moradores para abrigos como Down Street, em Down Street Mews. A uma caminhada a passos ligeiros de Carlton Gardens, de Gaulle pode ter visitado a estação de metrô abandonada que foi a primeira sala de reuniões de bunker de Churchill. Hoje, só uma fachada de lajotas vermelhas entrega sua história na London Transport.
Mas e a vida pessoal do general? Como ele relaxava, se é que conseguia fazê-lo? Fui à French House do Soho, antigo pub favorito das Forças dos Franceses Livres. Uma das muitas lendas em torno de sua pessoa reza que ele teria escrito seu famoso apelo de 18 de junho ali e embora eu soubesse não ser verdade, o clima antigo de seu interior – o balcão de madeira, as paredes de lambris recobertas de fotos em preto e branco, as lâmpadas de wattagem baixa – realmente me fez sentir como se tivesse voltado aos anos 40. Mesmo assim, sentado a uma das mesinhas bebericando um Kir em meio à clientela barulhenta da happy hour, tive dificuldade em imaginar o francês naquele ambiente. "Ele não era homem de gostar/frequentar pubs", Rault me dissera.
É provável que se sentisse mais à vontade na Berry Bros. & Rudd, loja de bebidas e vinhos finos onde tinha até uma conta. Fundada em 1698, o negócio de família ainda ocupa o imóvel original do século XVII, um salão de tábuas largas e paredes com estrutura de vigas de madeira que "lembram muito o que de Gaulle teria visto", diz Maggie Huntingford, que estava na recepção durante a minha visita. Atualmente o prédio tem uso comercial e, logo depois da esquina, uma loja bem iluminada e moderna oferece uma série impressionante de garrafas. Procurei a bebida favorita de de Gaulle, Armagnac, e descobri diversos rótulos com mais de cem anos, começando em 1897.
De volta ao Pall Mall, passei pelos vários locais onde o francês costumava almoçar: o Carlton Club, estabelecimento exclusivo do qual Churchill era sócio, o Ritz e o Clube dos Guardas e Cavalaria. No grandioso Connaught ele sempre pedia rosbife e Yorkshire pudding no jantar, pratos a que se referia como "especialidades da ilha". Também mantinha uma suíte na cobertura do hotel, onde viveu durante a Blitz, enquanto sua família se protegia perto da fronteira com o País de Gales.
De fato, a mulher e os três filhos de de Gaulle – que enfrentaram uma travessia angustiante do Canal da Mancha, em junho de 1940 – passavam longos períodos longe dele, sempre escondidos em diferentes pontos do interior inglês. Após a Blitz, reencontraram o general e se mudaram para uma casa em Hampstead, na região norte da capital inglesa.
Comparada com a grandeza majestosa de Mayfair, a área reflete um charme provinciano. Saindo da estação de metrô, atravessei uma rua movimentada e me meti em um emaranhado de vielas estreitas ladeadas por árvores, sebes e sobrados geminados. O som dos carros passando interrompeu a cantoria dos pássaros, e foi nesse momento que vi a casa do general diante de mim: 99 Frognal Road, um palacete elegante de tijolo aparente e três andares com janelas francesas altas. Um muro alto cercava o jardim onde Yvonne de Gaulle criava galinhas de modo que sua caçula, Anne, pudesse sempre comer ovos frescos. Hoje chamada St. Dorothy's Convent, a casa é residência de estudantes estrangeiras. Uma placa em homenagem a de Gaulle fica praticamente escondida no jardim.
Uma caminhada curta pelas ruazinhas arborizadas me levou a St. Mary's Hampstead, uma igreja branca esguia fundada em 1816 pelo Abbé Jean Jacques Morel, padre que fugiu da França após a Revolução de 1789. Católico, de Gaulle assistia às missas ali regularmente – e há inclusive uma placa na porta dizendo que "sua figura alta e impressionante era sempre vista no primeiro banco, na missa das onze horas, sempre que ele estava em casa".
Quando de Gaulle se mudou para Hampstead, em setembro de 1942, sua relação com o governo britânico, e principalmente com Winston Churchill, tinha se tornado contenciosa – e embora os dois homens se respeitassem, discordavam frequentemente. Em maio de 1943, de Gaulle mudou seu quartel-general para Argel, encerrando o exílio em solo britânico. Ao partir, deixou uma carta para Churchill – que estava em Washington para se encontrar com Roosevelt –, na qual não expressou sua gratidão pela ajuda britânica. (Ao mesmo tempo, Churchill estava tentando, sem sucesso convencer o Gabinete Britânico a deixar de apoiar de Gaulle.) Nos anos posteriores à libertação de Paris, a história das Forças dos Franceses Livres em Londres acabou caindo no esquecimento e o reconhecimento francês à Grã-Bretanha acabou não ganhando um monumento oficial.
Será mesmo?
Na minha última tarde em Londres, visitei a antiga Broadcasting House, sede original da BBC. Construído em 1932, o prédio é um verdadeiro ícone em arte déco, uma torre circular decorada com o trabalho do escultor Eric Gill. Porém, fui até lá por outra razão: ver o lugar onde de Gaulle fizera seu apelo de 18 de junho.
Robert Seatter, diretor de história da BBC, me levou ao Saguão dos Artistas, que servia de bastidor para os artistas convidados. Depois de me mostrar um microfone enorme, da época da guerra, paramos diante de uma tapeçaria em preto e dourado. Chamada "Le Poète", a obra foi criada pelo artista francês Jean Lurçat como homenagem ao poema de Paul Eluard, "Liberté".
"Muita gente não percebe a importância que a BBC teve para o miolo da Europa, distante do mar", comentou Seatter. No início da guerra, a programação da agência – única fonte de notícias confiável para muita gente na França e em outros países ocupados – era feita em oito idiomas; no fim, tinha pulado para 48. "Se ao menos vocês pudessem nos ver ouvindo os boletins! Vivíamos para aquilo", escreveu um ouvinte francês na época. "Em 1949, o governo francês deu a tapeçaria à BBC como agradecimento pelo serviço durante a guerra", concluiu ele.
Olhei a peça, que retrata uma silhueta masculina escondida atrás de uma parede de folhas: era uma metáfora da liberdade, um símbolo da gratidão jamais esquecida.
Se você for
A De Gaulle in London oferece passeios, em inglês e francês, que seguem os passos de Charles de Gaulle, Winston Churchill e outras figuras importantes da Segunda Guerra Mundial.
Embora a BBC tenha deixado de oferecer tours pela Broadcasting House em 2016 por causa de questões de segurança, a organização ainda recebe visitantes no BBC Radio Theatre, onde os programas são gravados ao vivo, diante do público. Charles de Gaulle foi transmitido 67 vezes pela BBC, incluindo diversos discursos do teatro. O ingresso, disponível através do bbc.co.uk/showsandtours/shows, garante uma olhada na tapeçaria de Jean Lurçat e no Saguão dos Artistas.
O Imperial War Museums oferece um retrato abrangente da Grã-Bretanha ao longo da Segunda Guerra Mundial, incluindo o dia a dia dos londrinos durante a Blitz. A mostra permanente, "Extraordinary Heroes", conta as histórias de vários franceses que lutaram pelo país no conflito e foram condecorados com a Medalha da Cruz de São Jorge por seus atos excepcionais de coragem.
Inaugurada em 1891, a Igreja Protestante Francesa conta com uma pequena mostra sobre seu pastor dos tempos de guerra, Frank Christol, que foi o capelão oficial das Forças Francesas Livres. A estrutura, que data de 1550, é o último exemplar de templo huguenote da cidade. Aberto mediante hora marcada.
O que ler
"The General: Charles de Gaulle and the France He Saved", de Jonathan Fenby. Biografia detalhada e minuciosa.
POR ANN MAH/2018/THE NEW YORK TIMES