sexta-feira, 31 de agosto de 2018

"A era da mentira", por Nelson Motta

Para começar, vamos combinar que fake news é só uma versão gourmet da boa e velha mentira. Afinal, o que mais uma notícia deliberadamente falsa poderia ser?

O governo Trump não inventou a mentira nem as fake news, mas fez delas sua linguagem e prática política. Sua secretária de Imprensa, confrontada com fatos irrefutáveis, manteve a sua versão oficial como “verdade alternativa”. O que virá depois?

Antigamente, as mentiras tinham pernas curtas, eram logo descobertas, mas hoje elas podem ser repetidas e amplificadas até se tornarem verdade, como sonhava Goebbels comandando a máquina de propaganda nazista. Mas Goebbels era modesto, falava em mentira mil vezes repetida, jamais ousaria imaginar milhões de repetições até a fake news virar verdade. Imaginem Goebbels com internet.

Pesquisa recente da London University demonstrou que o ato de mentir provoca uma forte atividade na região do cérebro associada à emoção. Quando rouba ou mente em seu próprio benefício, você se sente mal. Mas quando continua mentindo, esse sentimento desaparece, e você está mais disposto a mentir novamente. “A mentira é como uma bola de neve; quanto mais rola, mais cresce”, dizia Martinho Lutero.

Ou, como disse Lula, com autoridade, “a desgraça da mentira é que quem conta uma mentira passa a vida inteira mentindo para justificar a primeira mentira”. Quem há de desmenti-lo?

Sim, todo mundo mente; uns mais, outros menos; uns bem, outros mal; o problema é quando você começa a mentir para si mesmo — e acreditar. No caso, os psicanalistas dizem que é inútil qualquer psicanálise.

As eleições são o apogeu da era da mentira no país que nacionalizou a máxima de Descartes para “minto, logo existo”. Ainda ouviremos um candidato dizer, parafraseando Tim Maia, “não roubo, não levo propina e nem caixa 2, mas às vezes minto um pouquinho”.

Quando lhe diziam que os fatos contrariavam a sua versão, Nelson Rodrigues mandava na lata: então pior para os fatos.


O Globo