“O Brasil é o país mais racista do mundo”, disse a jornalista Alexandra Loras, ex-consulesa da França no Brasil, em debate na Flip com a antropóloga Lilia Schwarcz.
Discordo. Sobra preconceito por aqui, mas é óbvio que o Brasil não é o país mais racista do mundo. A questão racial importa pouco aos brasileiros se comparada a outros países.
Uma pesquisa sueca de 2013 perguntou a cidadãos de 80 países quem eles não gostariam de ter como vizinhos. Na Índia e na Jordânia, mais de 40% dos entrevistados marcaram a resposta "pessoas de outras raças". Em países da África e do Sudeste Asiático (como Indonésia, Malásia, Nigéria e Mali), mais de 30%.
Já no Brasil, menos de 5% se incomodaram com a etnia dos vizinhos. É verdade que sempre se pode mentir em questionários –mas isso vale para todos os países da pesquisa.
Discordo. Sobra preconceito por aqui, mas é óbvio que o Brasil não é o país mais racista do mundo. A questão racial importa pouco aos brasileiros se comparada a outros países.
Uma pesquisa sueca de 2013 perguntou a cidadãos de 80 países quem eles não gostariam de ter como vizinhos. Na Índia e na Jordânia, mais de 40% dos entrevistados marcaram a resposta "pessoas de outras raças". Em países da África e do Sudeste Asiático (como Indonésia, Malásia, Nigéria e Mali), mais de 30%.
Já no Brasil, menos de 5% se incomodaram com a etnia dos vizinhos. É verdade que sempre se pode mentir em questionários –mas isso vale para todos os países da pesquisa.
Essa indiferença também ocorre na política. Em 2014, zonas eleitorais da “elite branca” de São Paulo, Rio e Brasília deram a Marina Silva o segundo lugar, às vezes o primeiro, na votação para presidente. Esses eleitores mal perceberam que votaram numa negra.
Até março deste ano, quando Joaquim Barbosa desistiu de se candidatar, havia dois negros com boas intenções de voto entre os ricos.
Loras passou a acreditar que o Brasil é o país mais racista do mundo depois de ter vivido cenas deploráveis por aqui. No Clube Pinheiros ou em recepções da residência consular, pessoas achavam que ela era uma empregada doméstica.
Mas isso é racismo? Não tenho certeza. Racismo é uma ideologia, uma doutrina que estabelece hierarquia entre etnias. Os casos que Loras sofreu parecem fruto de um triste pré-julgamento.
Como ela própria conta, na maior parte das vezes a pessoa que a teve por empregada pediu desculpas, envergonhada, ao perceber o equívoco. Se fosse racista, insistiria no preconceito.
Negros ainda são os brasileiros mais pobres –reverter essa situação é justamente uma das bandeiras do movimento negro. Enquanto isso não mudar, pré-julgamentos infelizmente vão acontecer.
Loras explica sua afirmação. Para ela, o Brasil é o país com a maior população negra, por isso teria o maior número de casos de racismo no mundo. Se há 54% de negros na população, diz ela, então deveria haver 54% de negros na TV, na academia e no alto escalão das empresas.
Mas é preciso um certo contorcionismo para afirmar que 54% dos brasileiros são negros. Segundo o IBGE, 46% dos brasileiros se declaram pardos; 44%, brancos; só 8% negros. Na categoria “pardo” pode entrar qualquer mestiço –de Neymar a Ivete Sangalo ou FHC.
Me parece que a francesa repete a armadilha do “pardo de Schrödinger” –o pardo que ao mesmo tempo existe e não existe. Na hora de medir a população negra nas universidades, excluem-se os pardos– e assim surge a estatística “menos de 10% dos universitários são negros”. Ao medir a etnia nas prisões, os pardos voltam à conta –e ouvimos que “mais de 70% dos presidiários são negros”.
Ainda assim, é difícil negar que a população carcerária é mais negra que a universitária. Mas temo que as medidas que Loras e Schwarcz defenderam na Flip (cotas, investimento estatal, regulações) acentuem a miséria de negros e pardos.
Os brancos do Brasil dificultam a ascensão dos pobres não tanto pelo racismo, mas via burocracia e busca de privilégios. O líder negro Luís Gama, por exemplo, hoje seria proibido, pela elite branca da OAB, de atuar com advogado. Pois era um rábula, um advogado sem diploma.
Do mesmo modo, a universidade gratuita, os festivais de literatura pagos com renúncia fiscal, a aposentadoria generosa de professores da USP, todos esses privilégios resultam em transferência de renda dos negros e pardos (maioria dos pagadores de impostos) para os brancos (maioria dos intelectuais e funcionários públicos).
Frases sensacionalistas podem render aplausos da Flip –mas dificilmente vão resolver a exclusão social dos negros no Brasil.
Loras passou a acreditar que o Brasil é o país mais racista do mundo depois de ter vivido cenas deploráveis por aqui. No Clube Pinheiros ou em recepções da residência consular, pessoas achavam que ela era uma empregada doméstica.
Mas isso é racismo? Não tenho certeza. Racismo é uma ideologia, uma doutrina que estabelece hierarquia entre etnias. Os casos que Loras sofreu parecem fruto de um triste pré-julgamento.
Como ela própria conta, na maior parte das vezes a pessoa que a teve por empregada pediu desculpas, envergonhada, ao perceber o equívoco. Se fosse racista, insistiria no preconceito.
Negros ainda são os brasileiros mais pobres –reverter essa situação é justamente uma das bandeiras do movimento negro. Enquanto isso não mudar, pré-julgamentos infelizmente vão acontecer.
Loras explica sua afirmação. Para ela, o Brasil é o país com a maior população negra, por isso teria o maior número de casos de racismo no mundo. Se há 54% de negros na população, diz ela, então deveria haver 54% de negros na TV, na academia e no alto escalão das empresas.
Mas é preciso um certo contorcionismo para afirmar que 54% dos brasileiros são negros. Segundo o IBGE, 46% dos brasileiros se declaram pardos; 44%, brancos; só 8% negros. Na categoria “pardo” pode entrar qualquer mestiço –de Neymar a Ivete Sangalo ou FHC.
Me parece que a francesa repete a armadilha do “pardo de Schrödinger” –o pardo que ao mesmo tempo existe e não existe. Na hora de medir a população negra nas universidades, excluem-se os pardos– e assim surge a estatística “menos de 10% dos universitários são negros”. Ao medir a etnia nas prisões, os pardos voltam à conta –e ouvimos que “mais de 70% dos presidiários são negros”.
Ainda assim, é difícil negar que a população carcerária é mais negra que a universitária. Mas temo que as medidas que Loras e Schwarcz defenderam na Flip (cotas, investimento estatal, regulações) acentuem a miséria de negros e pardos.
Os brancos do Brasil dificultam a ascensão dos pobres não tanto pelo racismo, mas via burocracia e busca de privilégios. O líder negro Luís Gama, por exemplo, hoje seria proibido, pela elite branca da OAB, de atuar com advogado. Pois era um rábula, um advogado sem diploma.
Do mesmo modo, a universidade gratuita, os festivais de literatura pagos com renúncia fiscal, a aposentadoria generosa de professores da USP, todos esses privilégios resultam em transferência de renda dos negros e pardos (maioria dos pagadores de impostos) para os brancos (maioria dos intelectuais e funcionários públicos).
Frases sensacionalistas podem render aplausos da Flip –mas dificilmente vão resolver a exclusão social dos negros no Brasil.
Folha de São Paulo