domingo, 31 de maio de 2015

Francis Ford Coppola: 'Agora quero fazer filmes por diversão e emoção'

Carlos Helí de Almeida - O Globo

Homenageado com retrospectiva completa de sua obra, diretor de ‘O poderoso chefão’ repassa carreira em entrevista exclusiva



O cineasta Francis Ford Coppola em foto de 2012 - Vladimir Astapkovich / RIA Novosti


Em pouco mais de 50 anos de carreira, Francis Ford Coppola alternou a reputação de gênio com a de produtor falido. Para cada “O poderoso chefão” (1972), épico mafioso que aceitou dirigir para a Paramount para poder manter a American Zoetrope, sua então recém-criada produtora, houve um fracasso comercial estrondoso, como “O fundo do coração” (1981), que o deixaria endividado por uma década. 

Toda essa trajetória de sucessos e fiascos será passada a limpo pelo ciclo Francis Ford Coppola: O Cronista da América, retrospectiva completa dos filmes do autor de “Apocalipse now” (1979), outro polêmico projeto do realizador americano, que fica em cartaz entre os dias 3 e 29 de junho no Centro Cultural Banco do Brasil, antes de partir para outras capitais.

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A mostra inclui desde as primeiras experiências coletivas do diretor, ainda como estudante de cinema, como a comédia “Tonight for sure” (1962), a seus filmes mais recentes, como “Tetro” (2009), que marca o retorno às origens independentes, liberdade conquistada com ajuda dos recursos de sua vinícola na Califórnia e de sua cadeia de resorts.

— Não estou mais no negócio dos estúdios. Ganho a vida como empresário e gasto meu dinheiro fazendo filmes experimentais — diz o cineasta de 76 anos nesta entrevista ao GLOBO, em que também relembra a passagem pelos bastidores de “Chatô, o rei do Brasil”, do brasileiro Guilherme Fontes, no fim dos anos 1990.

O senhor é um dos cineastas da Nova Hollywood, a geração que se criou à margem dos estúdios, nos anos 1960 e 70. Acredita que algo semelhante possa ocorrer hoje, com um mercado pautado por filmes de super-heróis?
Sempre pode acontecer. Quando os cineastas se unem, a sensação de excitação faz com que um novo “movimento” se inicie. O cinema industrial está nos últimos esforços, tentando gerar dinheiro com o entusiasmo de meninos adolescentes e meninas pré-púberes. Mas o cinema está vivo com os independentes.


Qual foi a fonte dessa “excitação” naquela época? O contexto social teve alguma participação nisso?
Não sei exatamente o porquê, mas parece que bolhas de cinema de repente surgem em diferentes partes do mundo em “movimentos”: entre os artistas dos estúdios UFA da Alemanha do cinema mudo, como Murnau, Lang e Pabst; de repente na Itália do pós-guerra, com Rossellini, Visconti, Antonioni, e assim por diante; então, no Japão, do nada, surgem Kurosawa, Ozu, Ichikowa; então vem o manancial da Nouvelle Vague, com Godard, Chabrol, Resnais, Malle, e muito mais. São cineastas que influenciam outros — agora mesmo, temos, do México, Cuarón, Del Toro e Iñárritu. Quando as pessoas que amam cinema se encontram para falar sobre filmes o tempo todo, comem, dormem cinema, é que essas sementes de mudança surgem, crescem da terra.

O senhor considera “O poderoso chefão” e sua repercussão um acidente que o desviou do caminho que buscava. Que caminho era esse?
Eu queria ser um roteirista e diretor de filmes independentes, de “arte”, como era conhecido esse tipo de cinema quando eu era jovem.

Mas o senhor não tem orgulho desse e de outros “acidentes”, que lhe deram prestígio com a crítica, como “Apocalipse now” e “O fundo do coração”?
Sim, é claro que tenho orgulho destes resultados da minha vida, eles são como um filho que, embora alguém não esperasse muita coisa dele, acaba nos gratificando de alguma forma. É bom sabermos que eles foram apreciados. Costumo perguntar à minha mulher: “Onde acertamos?”. Porque, não tenho dúvidas, fomos abençoados, com filhos maravilhosos (Roman e Sofia Coppola, também cineastas, e Gian-Carlo, morto em 1986), mas também com uma vida maravilhosa no cinema. Comecei querendo escrever e dirigir filmes experimentais, mas mal sabia que teria uma vida experimental!

Com o fracasso comercial de “O fundo do coração” (1981), um de seus filmes mais pessoais, o senhor passou uma década fazendo filmes como diretor contratado, para pagar a dívida com o banco. Foi um período desgastante também emocionalmente?
Analisadas em retrospecto, as coisas mais terríveis parecem menos ruins. Afinal, se você sobreviveu a elas, não deve ter sido tão péssimo. Mas, no momento em que a vivenciamos, sem saber o que vai acontecer, sempre nos parecem terríveis, e foram.

Falando em projetos problemáticos, no final dos anos 1990, o senhor foi apresentado ao brasileiro Guilherme Fontes, que lhe ofereceu participação no filme “Chatô, o rei do Brasil”. Por que a associação não foi adiante?
Originalmente, ele entrou em contato com um técnico de nossa empresa, a American Zoetrope, e encomendou uma sala de edição para ele. Gostei bastante do Guilherme Fontes e de sua família. Senti que meio que estava sendo “usado” para ajudá-los a levantar o dinheiro do governo brasileiro para o projeto, e nunca ficou muito claro se o projeto ia avançar. Essa foi realmente toda a nossa participação, mas, como disse, percebi que meu “nome” também estava sendo usado para ajudá-lo a levantar verba. Meu envolvimento com “Chatô, o rei do Brasil” não foi mais do que servir como um conselheiro informal — dei os conselhos mais sinceros que pude dar, na época.

A retrospectiva que abre esta semana aqui no Rio inclui trabalhos menos conhecidos com sua assinatura, como as comédias “Tonight for sure” e “The bellboy and the playgirls”, ambas de 1962. Como foi aquele início?
Naquela época, eu era um estudante pobre tentando fazer algum dinheiro com edição — esses primeiros filmes eram de outras pessoas, nos quais trabalhei realmente e, como eu era o último elo da cadeia de pós-produção, tive a liberdade de colocar meu nome neles, apenas para que pudesse vê-lo na tela, algo que não tinha certeza de ver acontecer no futuro. Fui o editor incumbido de completar “Tonight for sure” e “The bellboy and the playgirls”, mas estava tão ansioso para ter meu nome em um filme que o pus, embora eles sejam fruto de um conjunto de várias tentativas frustradas.

Desde “Tetro” (2009), o senhor parece ter recuperado o controle de sua carreira como cineasta independente. Sente-se retomando o caminho que traçou para si nos anos 1960?
Sim, estou só interessado em fazer filmes por diversão e por emoção, aprendendo e me divertindo com eles. Agora financio o meu trabalho com os meus outros negócios. Eu me tornei extremamente experimental, ansioso para ir aonde ninguém jamais esteve.

O senhor está desenvolvendo um novo projeto, uma saga multigeracional em torno de uma família italiana nos Estados Unidos. É um retorno ao universo de “O poderoso chefão”?
Sim, é sobre três gerações de uma família ítalo-americana, que tem como pano de fundo uma história que acontece ao mesmo tempo: a do nascimento e crescimento da TV, e sua transição para a nova era da informação. Será uma produção muito independente.

A propósito, a TV americana tornou-se um campo promissor para diretores e produtores de cinema. Nunca pensou em juntar-se à mídia?
Tenho outro “peixe para fritar”.