Ricardo Galhardo e Valmar Hupsel Filho - O Estado de São Paulo
Advogado de Marcos Valério diz que, se sua delação premiada tivesse sido aceita, alguns acusados da Lava Jato estariam presos há mais tempo
Dez anos atrás o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) apresentava ao Brasil um neologismo - mensalão - para descrever repasses de dinheiro a parlamentares em troca de apoio ao governo Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo políticos, advogados e analistas, o primeiro grande escândalo que atingiu a gestão do PT ainda ecoa, seja no modus operandi da corrupção que agora vem à tona com a Operação Lava Jato, seja na criação de um forte movimento antipetista no País, escancarado nas manifestações de 15 de março e 12 de abril deste ano.
Hoje, com 24 pessoas condenadas pelo Supremo Tribunal Federal a partir das revelações de Jefferson - entre elas o ex-todo poderoso chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu -, o advogado de um dos protagonistas daquele escândalo, o operador Marcos Valério Fernandes de Souza, que pegou quase 40 anos de prisão, afirma que o rumo das investigações iniciadas em 2005 poderia ser outro.
PUBLICIDADE
Segundo o criminalista Marcelo Leonardo, que defende Valério, seu cliente se dispôs, tão logo os repasses “não contabilizados” à base de Lula foram revelados, a fazer uma delação premiada, instrumento que naquele momento não era usual no ordenamento jurídico brasileiro e que agora é um dos principais instrumentos usados pela força-tarefa da Lava Jato.
“A Procuradoria-Geral não aceitou a delação. Se aceitasse, haveria muito mais informação e isso poderia com certeza dar outro rumo ao caso, implicando inclusive pessoas que hoje estão envolvidas no que está acontecendo aí”, disse aoEstado.
O procurador-geral da República na época, Antonio Fernando de Souza, autor da denúncia do mensalão, confirma que Valério propôs a delação, mas não entregou documentos necessários para provar o que pretendia denunciar. “Delação sem documento é conversa fiada”, diz.
Ainda naquele ano de 2005, Valério deu entrevistas que apontavam para o que hoje é investigado na Lava Jato. “É só querer apurar que se descobrirá a participação de grandes empreiteiras (no financiamento ilegal de campanhas)”, disse o operador naquela ocasião em uma entrevista concedida ao jornal mineiro O Tempo.
Questionado hoje sobre o que exatamente Valério gostaria de revelar, o criminalista diz que, “por ética da profissão”, não pode citar detalhes. “Só daqui a dez anos”, afirma. Já durante o julgamento do mensalão, em 2012, Valério tentou uma nova delação e procurou incriminar Lula, mas nada foi provado.
Legado político. As revelações de corrupção na Petrobrás - um escândalo ainda maior quase dez anos depois do mensalão - mostra que as práticas políticas pouco mudaram desde 2005. As suspeitas levantadas pela Lava Jato, porém, mostram algumas mudanças no trato da propina. As investigações mostram que o PT, escaldado com o caixa 2, tentou então “legalizar” seu financiamento, contabilizando as contribuições das empreiteiras - o partido nega se tratar de propina. “Agora existe um pouco mais de cautela como essa, do PT, de exigir doações no caixa 1. É o que se pode chamar de aprendizagem”, ironiza o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília.
Imagem. O escândalo de 2005 quebrou a imagem de guardião da ética semeada pelo PT e jogou o partido na vala comum. O desgaste político, porém, não foi capaz de tirar o poder do partido, que se apegou aos avanços sociais obtidos com políticas de distribuição de renda. Assim, venceu a corrida ao Palácio do Planalto em 2006 com Lula e em 2010 e 2014 com Dilma Rousseff - ela mesma uma consequência política do mensalão, já que, com perfil técnico, acabou ocupando um vácuo deixado pelos petistas abatidos pelo escândalo.
Legado jurídico. Quando tiverem seus casos analisados pelas cortes superiores, os réus da Lava Jato não devem enfrentar o mesmo cenário dos réus do escândalo de 2005. Realizado em 2012, o julgamento do mensalão no Supremo é considerado por especialistas um “ponto fora da curva” - a expressão foi usada pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso. Foi um caso em que réus com e sem foro privilegiado foram julgados juntos, numa só ação.