Fausto Macedo e Julia Affonso - O Estado de São Paulo
Ministro do Supremo Tribunal Federal diz que Corte poderia ter imposto regime fechado aos condenados do maior escândalo do governo Lula, que completa 10 anos
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), dez anos depois do estouro do Mensalão, considera que o fato de muitos réus já estarem em liberdade ou em regime de prisão domiciliar “frustra o cidadão comum”.
Ele afirma que a Corte máxima da Justiça poderia ter decretado regime fechado de prisão para os condenados. “Mas o relator (ex-ministro Joaquim Barbosa, hoje aposentado), tido como um juiz rigoroso, propôs o semi-aberto e foi acompanhado, inclusive, pelo revisor (ministro Ricardo Lewandowski, atual presidente do STF).”
Em entrevista ao Estadão, Marco Aurélio Mello avalia que o momento decisivo do maior julgamento da história da Corte foi quando do recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra importantes quadros do PT, alguns muito próximos do então presidente Lula, como José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil, e Delúbio Soares, tesoureiro do partido. Estava aberta a Ação Penal 470, que abalou o PT e o Planalto. “Foi quando o Tribunal decidiu abrir o embrulho.”
ESTADÃO: Dez anos depois, o sr. pode dizer o que mais o marcou no julgamento da Ação Penal 470?
Ministro Marco Aurélio Mello: O julgamento revelou que todos são iguais perante a lei, afastando a óptica segunda a qual o Supremo não condena detentor de prerrogativa de foro. Foi emblemático, no que sinalizou a necessidade de na administração pública, gênero, adotar-se postura exemplar, afastados os desvios de conduta.
ESTADÃO: Qual foi o momento mais tenso da Ação Penal 470?
Marco Aurélio Mello: Fora os atritos desnecessários do relator (ex-ministro Joaquim Barbosa) com o revisor (atual presidente da Corte, Ricardo Lewandowski) e outros integrantes do colegiado, não houve tensão, mas sim o desgaste natural da duração do julgamento.
ESTADÃO: Qual foi o momento decisivo do julgamento?
Marco Aurélio Mello: Digo que foi o do recebimento da denúncia, quando o Tribunal decidiu abrir o embrulho, com a instrução do processo-crime e preparação para o ápice, ou seja, definição da culpa, ou não, dos envolvidos.
ESTADÃO: Há algo de que o sr. se arrependa no julgamento? Algo que poderia ter feito e não fez?
Marco Aurélio Mello: Na atuação como julgador, não há espaço para arrependimento. Atuei segundo a ciência e consciência, pronunciando-me, como vogal, ante a compreensão das matérias.
ESTADÃO: Frustra o sr. saber que a maioria dos condenados já está em liberdade ou em regime domiciliar?
Marco Aurélio Mello: Frusta o cidadão comum. O Tribunal, tecnicamente, ou seja, ante circunstâncias judiciais negativas, poderia ter imposto o regime inicial de cumprimento das penas fechado. Mas o relator, tido como um juiz rigoroso, propôs o semi-aberto e foi acompanhado, inclusive pelo revisor. Deu no que deu – a conclusão, julgando agravo regimental, de que os presos teriam direito ao trabalho externo e a progressão, atendidos os requisitos legais, para o regime aberto. Aliás, a visão não foi do relator, no que indeferiu pedidos de trabalho externo, sendo interpostos agravos, que ele não levou ao Colegiado, gerando inclusive incidente com um dos advogados – do réu Genoino, a todos os títulos desagradável. Quem sabe a aposentadoria precoce do relator tenha resultado da visão de que o Colegiado reformaria, como reformou, as decisões que proferira? Deixou cinco meses de Presidência e mais de dez de permanência no Tribunal, isso sem considerar a majoração da expulsória para setenta e cinco anos.
ESTADÃO: O que representou o Mensalão para o País?
Marco Aurélio Mello: A certeza da atuação equidistante, como convém, do Supremo, responsabilizando, penalmente, quem comete desvio de conduta, claudica na arte de proceder, transgredindo a lei.
ESTADÃO: Outros Mensalões estão por aí?
Marco Aurélio Mello: Há quem diga que, diante do momentoso caso Lava Jato, o mensalão transmudou-se em mensalinho. Por último que o Supremo continue honrando a tradição, sendo a última trincheira da cidadania e o guarda maior da Lei das leis que é a Constituição Federal.