domingo, 31 de maio de 2015

‘Frustra o cidadão’, diz Marco Aurélio, do STF, sobre réus do Mensalão de Lula já em liberdade


Fausto Macedo e Julia Affonso - O Estado de São Paulo

Ministro do Supremo Tribunal Federal diz que Corte poderia ter imposto regime fechado aos condenados do maior escândalo do governo Lula, que completa 10 anos


Marco Aurélio Mello. Foto: Dida Sampaio/Estadão
Marco Aurélio Mello. Foto: Dida Sampaio/Estadão

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), dez anos depois do estouro do Mensalão, considera que o fato de muitos réus já estarem em liberdade ou em regime de prisão domiciliar “frustra o cidadão comum”.
Ele afirma que a Corte máxima da Justiça poderia ter decretado regime fechado de prisão para os condenados. “Mas o relator (ex-ministro Joaquim Barbosa, hoje aposentado), tido como um juiz rigoroso, propôs o semi-aberto e foi acompanhado, inclusive, pelo revisor (ministro Ricardo Lewandowski, atual presidente do STF).”
Em entrevista ao Estadão, Marco Aurélio Mello avalia que o momento decisivo do maior julgamento da história da Corte foi quando do recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra importantes quadros do PT, alguns muito próximos do então presidente Lula, como José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil, e Delúbio Soares, tesoureiro do partido. Estava aberta a Ação Penal 470, que abalou o PT e o Planalto. “Foi quando o Tribunal decidiu abrir o embrulho.”
ESTADÃO: Dez anos depois, o sr. pode dizer o que mais o marcou no julgamento da Ação Penal 470?
Ministro Marco Aurélio Mello: O julgamento revelou que todos são iguais perante a lei, afastando a óptica segunda a qual o Supremo não condena detentor de prerrogativa de foro. Foi emblemático, no que sinalizou a necessidade de na administração pública, gênero, adotar-se postura exemplar, afastados os desvios de conduta.
ESTADÃO: Qual foi o momento mais tenso da Ação Penal 470?
Marco Aurélio Mello: Fora os atritos desnecessários do relator (ex-ministro Joaquim Barbosa) com o revisor (atual presidente da Corte, Ricardo Lewandowski) e outros integrantes do colegiado, não houve tensão, mas sim o desgaste natural da duração do julgamento.
ESTADÃO: Qual foi o momento decisivo do julgamento?
Marco Aurélio Mello: Digo que foi o do recebimento da denúncia, quando o Tribunal decidiu abrir o embrulho, com a instrução do processo-crime e preparação para o ápice, ou seja, definição da culpa, ou não, dos envolvidos.
ESTADÃO: Há algo de que o sr. se arrependa no julgamento? Algo que poderia ter feito e não fez?
Marco Aurélio Mello: Na atuação como julgador, não há espaço para arrependimento. Atuei segundo a ciência e consciência, pronunciando-me, como vogal, ante a compreensão das matérias.
ESTADÃO: Frustra o sr. saber que a maioria dos condenados já está em liberdade ou em regime domiciliar?
Marco Aurélio Mello: Frusta o cidadão comum. O Tribunal, tecnicamente, ou seja, ante circunstâncias judiciais negativas, poderia ter imposto o regime inicial de cumprimento das penas fechado. Mas o relator, tido como um juiz rigoroso, propôs o semi-aberto e foi acompanhado, inclusive pelo revisor. Deu no que deu – a conclusão, julgando agravo regimental, de que os presos teriam direito ao trabalho externo e a progressão, atendidos os requisitos legais, para o regime aberto. Aliás, a visão não foi do relator, no que indeferiu pedidos de trabalho externo, sendo interpostos agravos, que ele não levou ao Colegiado, gerando inclusive incidente com um dos advogados – do réu Genoino, a todos os títulos desagradável. Quem sabe a aposentadoria precoce do relator tenha resultado da visão de que o Colegiado reformaria, como reformou, as decisões que proferira? Deixou cinco meses de Presidência e mais de dez de permanência no Tribunal, isso sem considerar a majoração da expulsória para setenta e cinco anos.
ESTADÃO: O que representou o Mensalão para o País?
Marco Aurélio Mello: A certeza da atuação equidistante, como convém, do Supremo, responsabilizando, penalmente, quem comete desvio de conduta, claudica na arte de proceder, transgredindo a lei.
ESTADÃO: Outros Mensalões estão por aí?
Marco Aurélio Mello: Há quem diga que, diante do momentoso caso Lava Jato, o mensalão transmudou-se em mensalinho. Por último que o Supremo continue honrando a tradição, sendo a última trincheira da cidadania e o guarda maior da Lei das leis que é a Constituição Federal.