domingo, 31 de maio de 2015

"Frankenstein tem conserto", por Elio Gaspari

Folha de São Paulo


A reforma política que a Câmara mandará ao Senado ainda é uma criança e pode até acabar bem. Entendendo-se que o Congresso é um Poder da República e não uma assessoria, o que os deputados decidiram pode não agradar, mas reflete uma vontade. Se falta consenso, consenso falta. As matérias aprovadas irão ao Senado, e o que for mudado voltará à Câmara.

Sepultou-se o sonho petista do voto de lista. Parece pouco, mas ele quase foi instituído em 2007. Tudo indica que começará a acabar a reeleição. Na essência, fica tudo mais ou menos como está.

Restam dois espinhos: o financiamento encapuzado de candidatos por meio de doações de empresas a partidos e a proliferação de siglas amarradas às tetas do Fundo Partidário. O primeiro pode ser resolvido na regulamentação. O segundo é mais difícil, mas pode-se restabelecer uma clausula de barreira séria, negando sobrevivência aos partidos que não tiverem 5% dos votos nacionais e 3% dos votos em nove Estados. Isso já foi aprovado pelo Congresso e quem liberou geral foi o STF.


A 'BOSTA SECA' AMEAÇA A LAVA JATO

Se o Ministério Público aplicar a "teoria da bosta seca" aos conflitos existentes nos depoimentos de réus confessos da Lava Jato, aquilo que hoje é uma investigação arrisca virar uma pizza. Bosta seca "é o tipo de coisa que quanto mais mexe, pior fica": "Mexeu, fedeu".

A opção do Ministério Público pela teoria da bosta foi revelada pela repórter Sonia Racy, expondo diálogos ocorridos durante um depoimento do operador Alberto Youssef, preservado em vídeo. O procurador Andrey Borges mencionou a Youssef que havia contradições entre a sua narrativa e a do "amigo Paulinho". O ex-diretor da Petrobras mencionara transações que envolviam pedidos de pagamentos de R$ 2 milhões para as campanhas da doutora Dilma em 2014 e de Roseana Sarney no Maranhão, em 2010. Ele teria encaminhado a Youssef os pleitos, trazidos pelo ex-ministro Antonio Palocci e pelo senador Edison Lobão.

Youssef diz que esses pedidos não aconteceram e ofereceu-se para uma acareação com "Paulinho". Um dos dois está mentindo e ambos assinaram acordos que caducam caso sejam apanhados em patranhas. Não se conhece a identidade da pessoa que expôs a doutrina da bosta seca, não querendo mexer no assunto. Pode ter sido um procurador, e é impossível que tenha sido um transeunte. Passaram-se vários dias, o dono da voz não foi identificado e não se anunciou a acareação.

Desde o início da Lava Jato, tudo o que os larápios precisam é de um tumulto no inquérito. Eles sabem o que fizeram. Só um louco poderia esperar por uma absolvição na primeira instância. Tudo o que se precisa é intoxicar o processo. 
Numa variante da lição de Neném Prancha ("chuta pra cima que enquanto estiver no céu não é gol"), trata-se de transferir a disputa para as instâncias superiores do Judiciário, reduzindo a questão genérica a tecnicalidades processuais. Foi assim que a Operação Castelo de Areia virou pó no STJ e no Supremo Tribunal. O banqueiro Edemar Cid Ferreira, condenado a 21 anos de prisão pela quebra do Banco Santos em 2006, teve sua sentença anulada pelo Tribunal Regional Federal.

A doutrina da bosta seca é tóxica. Baseado num vídeo da Polícia Federal, o Ministério Público pediu e obteve a prorrogação da prisão de Marice, cunhada de João Vaccari. Erro: a gravação mostrava Giselda, irmã da senhora. A vida é arte, errar faz parte, mas a demora na condenação da doutrina da bosta seca e na identificação do seu formulador é mais que um detalhe. Edemar Cid Ferreira esperou nove anos, mas anulou sua condenação.


EREMILDO, O IDIOTA

Eremildo é um idiota e à noite joga bola no Aterro do Flamengo. Estranhou quando o presidente da Fifa, Joseph Blatter, disse que as prisões de José Maria Marin e outros sete cartolas "jogaram uma longa sombra no futebol".

O idiota acha que a sombra não caiu sobre o futebol, mas sobre Blatter e a Fifa. O futebol nada tem a ver com isso. Se Blatter tivesse feito o que devia em 2012, quando foram descobertas as roubalheiras, Marin não estaria na Comissão Organizadora da Fifa e o atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, não precisaria ter voltado às pressas para o Brasil.

Eremildo acha que a doutora Dilma nunca fez nada de errado e viu no episódio mais uma prova de que ela é infalível. A doutora nunca foi com a cara de Blatter, da Fifa e de Marin.


A CBF E MARIN

Se a CBF do doutor Marco Polo Del Nero realmente não queria prejulgar o antecessor José Maria Marin, não deveria ter retirado o nome dele da sua sede. 

Vale lembrar que Marin herdou de seu antecessor, Ricardo Teixeira, um jato de 18 lugares e um helicóptero Agusta de US$ 14 milhões.

Marin e Del Nero moram em São Paulo e a CBF tem sede no Rio. O Agusta era usado como equipamento de mobilidade urbana pela dupla.


CPI DA CBF

O Senado criou uma CPI para investigar as roubalheiras dos cartolas e da CBF. Como diz a porta do inferno:

"Deixai toda esperança, vós que entrais".


EDUARDO CUNHA

Alguém precisa avisar ao deputado Eduardo Cunha que falar tapando a boca é falta de educação.

Se não for coisa pior.


RECORDAR É VIVER

Empresários da indústria automotiva estão mobilizados para preservar as desonerações tributárias que os beneficiam.

O livro "A Capital da Vertigem", no qual o jornalista Roberto Pompeu de Toledo conta a história de São Paulo de 1900 a 1954, traz uma notável revelação. O andar de cima não gosta de pagar impostos e hostiliza quaisquer tributos sobre veículos automotivos desde 1901, quando talvez só houvesse dois na cidade.

O primeiro documento que trata da existência de um automóvel em São Paulo é uma petição de Henrique Santos Dumont (irmão do Pai da Aviação) pedindo que fosse desonerado de pagar imposto sobre seu "automobile", pois a manutenção do veículo era cara e as ruas, péssimas.

O pedido foi negado, mas a luta continua.


A DONA DA FACA

O comissário Aldemir Bendine, presidente da Petrobras, passou um fim de semana trancado num hotel de Angra com diretores da empresa.

Na sua equipe a dona da faca é Solange da Silva Guedes, diretora de Exploração e Produção. Com mais de trinta anos na empresa, sua marca tem sido a defesa de cortes em projetos, iniciativas e, sobretudo, na parolagem.

Em 2009 criou-se na Petrobras uma girafa chamada de Grupo de Análise de Projetos. Era formada por uma pequena equipe, com alta participação de pessoas estranhas aos quadros da empresa e foi encarregada de centralizar todas as informações sobre os principais projetos em andamento. Em 2012 Solange da Silva Guedes fechou a quitanda.