segunda-feira, 22 de setembro de 2014

"Planejamento falho esqueceu de cuidar da oferta de energia ", por Elena Landau

Folha de São Paulo

"Orloff"


Cristina Kirchner acaba de aprovar uma lei que dá ao Executivo o poder de fixar preços, determinar estoques e regular produção. Deveria se chamar "Lei do Desabastecimento" porque é lá que vai chegar. Esse filme a gente já viu. Não termina bem.

O governo brasileiro vem fazendo o mesmo no setor de energia. Segurou os ajustes de derivados de petróleo e interveio no setor elétrico. Impôs sua política tanto pelo voto do controlador nas empresas estatais, como por lei, com a MP 579.

 O resultado é conhecido: as empresas perderam valor e a produção estagnou.

A MP foi uma política populista no melhor estilo. A receita é simples. O governo segura preços e tarifas, reduz a rentabilidade e endivida as empresas. Dá ao consumidor a ilusão de que sua vida melhorou. É tentador, mas não funciona. 

Afasta investidores, reduz a credibilidade do país e a inflação volta com força. 

Resta de herança um setor debilitado.

O setor elétrico registra desajuste econômico-financeiro superior a R$ 100 bilhões. A conta vai acabar no colo do Tesouro e vai virar mais inflação e/ou mais imposto. Mesmo assim, a campanha do PT em Minas insiste no erro ao acenar com o controle das tarifas da Cemig. Melhor pensar duas vezes. Lá os dividendos pagos pela empresa complementam o Orçamento do Estado e, ao contrário das estatais federais, não há Tesouro para fechar a conta.

Vão fazer com a empresa mineira o que já fizeram com Eletrobras e Petrobras. A Petrobras é hoje a empresa não financeira mais endividada do mundo e a Eletrobras virou metade do que era.

Toda essa alquimia não impediu que as tarifas subissem. Previsível, mas o populismo gosta de desafiar as leis básicas de economia: ao mesmo tempo que reduziu artificialmente os preços, o governo estimulou ainda mais a demanda. 

Qual a graça do populismo se o povo não puder abusar do consumo subsidiado?

O planejamento falho esqueceu de cuidar da oferta de energia. Os erros são evidentes: linhas de transmissão não chegam a tempo de escoar energia, 80% das obras estão atrasadas e mais um leilão acaba de ser adiado. Para tentar dar conta desse desequilíbrio, térmicas estão operando sem descanso, independentemente de custo ou impacto ambiental. Transformaram em normalidade o que seria exceção.

O silêncio do governo sobre o uso eficiente de energia beira a irresponsabilidade. Instituições que deveriam preservar o setor do uso político foram cooptadas com facilidade e só observam os reservatórios se esvaziarem perigosamente.

Apesar de todas as evidências que esse modelo intervencionista não funciona, e para nenhum setor da economia, Guido Mantega diz que ele vai continuar. Espero que não.

Não quero ser a Argentina amanhã.