domingo, 28 de setembro de 2014

Com dólar em alta, turistas brasileiros refazem planos de viagem ao exterior

Rennan Setti - O Globo

Cenário externo e disputa eleitoral exigem precaução, dizem analistas

Setembro trouxe aflição para os brasileiros que vão viajar para o exterior nas férias de fim de ano. No mês, o dólar já se valorizou mais de 8% frente ao real, encarecendo passagens aéreas e diárias de hotel, tumultuando, assim, o planejamento dos turistas na hora de comprar a moeda estrangeira para despesas durante a viagem. Segundo economistas, a valorização do câmbio é uma tendência global, mas os brasileiros devem reservar uma dose extra de estoicismo e precaução, já que as incertezas eleitorais tornam o real a moeda mais exposta à volatilidade, no mundo.

A expectativa de bancos e corretoras, segundo pesquisa feita pela Bloomberg com 44 instituições, é que o dólar à vista termine o ano cotado a R$ 2,34, bem abaixo dos R$ 2,43 de agora. Mas a disparada global da divisa nos últimos dias e a indefinição que ronda as eleições presidenciais têm provocado revisões. Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da corretora Treviso, vê agora o câmbio fechando 2014 em até R$ 2,45. O espanhol Santander aposta em patamar ainda maior: R$ 2,55.

VIAJANTES MUDAM PLANOS

Adriana Dupita, economista do Santander, explica que o grande motivador da valorização do dólar é a expectativa de que o banco central americano, o Federal Reserve (Fed), eleve a taxa básica de juros no primeiro semestre do ano que vem — hoje ela está entre zero e 0,25%, a fim de estimular a economia. Com a alta do juros, investir em títulos do Tesouro americano, considerados a mais segura das aplicações, ficará mais vantajoso, o que aumentará a demanda por dólares no mundo. É por isso que, frente às dez principais moedas, o dólar está em seu maior patamar desde outubro de 2010, segundo o índice da Bloomberg.

— A elevação dos juros pelo Fed reduzirá a disponibilidade de recursos para financiar o déficit em transações correntes que a falta de competitividade da economia brasileira provoca. Por isso, é natural que o real perca força. É até uma necessidade — explica a economista do Santander. — Com a incerteza sobre o futuro da política econômica, por causa das eleições, a palavra-chave é volatilidade.

Segundo Cleiton Feijó, diretor comercial da operadora de viagens Nascimento Turismo, a ansiedade gerada pela disparada do câmbio tem se manifestado de três formas entre os clientes. Alguns turistas optaram por deixar vencer o prazo para pagamento de reservas, apostando que o dólar pode cair em alguns meses. Outros, pelo contrário, preveem alta ainda maior e resolveram fechar todo o pacote logo para não amargar prejuízos no futuro. 

E há aqueles que estão trocando viagens para o exterior por destinos nacionais, a fim de evitar preocupações cambiais.

— Para quem vai viajar daqui a alguns meses, recomendo comprar uma parcela dos dólares agora, carregando um cartão de débito, por exemplo, e aguardar para ver o comportamento do câmbio quando a viagem se aproximar. Nessa hora, se o valor estiver muito alto, talvez valha a pena deixar de comprar dólares e optar por levar o cartão de crédito, pois a cotação pode cair até o fechamento da fatura — aconselha Feijó, lembrando que a taxa do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) é de 6,38%, tanto no cartão de crédito quanto no de débito em gastos nos exterior.

COMPRAR AOS POUCOS

Galhardo, da Treviso, afirma que a estratégia mais segura na hora de adquirir os dólares para despesa é comprar aos poucos.

— Isso faz com que, quer o dólar suba, quer caia até a data da viagem, o turista terá garantido o preço mediano do período — explica.

Bernardo Valois decidiu aguardar o fim das eleições para comprar passagem e dólares para o mês que passará em um curso de imersão em inglês, por meio da agência de intercâmbio World Study, no início de 2015, em San Francisco, nos EUA.

— Tenho a expectativa de que, se houver vitória da oposição, o dólar pode ceder. Estou esperando para ver — diz o especialista tributário, de 25 anos.

Marcelle Colnago, de 35 anos, optou pela mesma estratégia ao planejar a viagem da filha aos EUA, em dezembro, bem como a sua, ao Egito, em novembro.

— Mas, mesmo depois das eleições, quero comprar os dólares aos poucos, para me proteger — diz Marcelle, que trabalha como gerente financeira.

Segundo analistas, a preocupação com o efeito das eleições sobre o câmbio faz sentido. O mercado financeiro é, em sua maioria, crítico à política econômica do governo atual e tem reagido com bom humor a notícias desfavoráveis à reeleição da presidente Dilma Rousseff.

Nessas ocasiões, a Bolsa costuma subir, um sinal de menor aversão a risco. Como o dólar representa um porto seguro de investimento, a busca pela divisa americana costuma cair quando os papéis na Bolsa estão em alta, reduzindo sua cotação.

— A eleição traz perspectiva de ampla mudança na política econômica, mesmo em caso de vitória da situação. Isso torna praticamente impossível prever o futuro do câmbio, das intervenções do Banco Central etc. — diz Adriana, do Santander. — Entre os países emergentes, o Brasil é o mais líquido. Então é natural que, em caso de mudança nas condições globais, os investidores se desfaçam primeiro do real, o que provoca ainda mais volatilidade para o câmbio.

O Santander prevê que o dólar encerrará o primeiro semestre de 2015 a R$ 2,60, mas Adriana admite que essa estimativa terá de ser revista devido às eleições.