A velha farsa foi representada mais uma vez, na quinta-feira passada, com o envio do projeto de lei orçamentária de 2015 ao Congresso Nacional. Como se fosse um documento sério, um resumo foi entregue pela ministra do Planejamento, Miriam Belchior, ao presidente do Senado, Renan Calheiros. Ele recebeu a papelada como se o Parlamento estivesse de fato empenhado em cumprir o papel, muito importante nas democracias modernas, de vigilante das finanças públicas. Mera encenação. Se a cena fosse mais séria que uma pantomima, as grandes linhas do Orçamento já teriam sido examinadas e aprovadas pelos congressistas. Mas onde estão essas linhas, se a proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), enviada ao Parlamento em abril, continua empacada no Legislativo, ainda sem aprovação?
Como se isso fosse irrelevante - e talvez seja mesmo, nas condições políticas e administrativas do Brasil de hoje -, o Executivo projetou o Orçamento com base em parâmetros definidos na proposta de uma LDO ainda sem aprovação. Para estimar a receita e a despesa do próximo ano, os técnicos tomaram como base um crescimento econômico real de 3% acompanhado de uma inflação de 5%, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Esses números talvez tivessem algum sentido em abril, embora isso seja discutível. Hoje é muito difícil levá-los a sério, principalmente como bases de um plano financeiro.
No último relatório trimestral de inflação, com data de junho, o Banco Central (BC) projetou inflação de 6,4% para este ano, 5,7% para 2015 e 5,1% para os 12 meses terminados em junho de 2016. O crescimento econômico para os quatro trimestres até março de 2015 ficou em 1,8%. Pelas contas do mercado financeiro, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentará 1,2% e a inflação chegará a 6,28%. Nas projeções divulgadas em julho pelo Fundo Monetário Internacional, o avanço do produto brasileiro no próximo ano será de 2% - melhor, em todo caso, que o de 2014, estimado em 1,3%.
A crise está passando, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao comentar a possibilidade de um resultado fiscal melhor que o esperado para este ano. Para o governo central está previsto, em princípio, um superávit primário - dinheiro para o pagamento de juros - de R$ 114,7 bilhões, equivalente a 2% do PIB. Mas já se antecipa no projeto um possível abatimento de R$ 28,7 bilhões, ou 0,5% do PIB. A justificativa, como sempre, seria a destinação dessa quantia a investimentos. Com isso, o esforço fiscal de 2% do valor produzido na economia brasileira já se reduz, preventivamente, a 1,5%. Se tudo correr muito bem, os governos de Estados e municípios poderão produzir 0,5% de superávit primário, elevando o total a 2%.
O resultado prometido para este ano, equivalente a 1,9% do PIB, é assunto já superado. O governo central só entregará a sua parte, de R$ 80,7 bilhões, se conseguir juntar uma boa soma de receitas fora da rotina fiscal, como dividendos, bônus de concessões de infraestrutura e parcelas de tributos refinanciados. Essas parcelas, segundo Mantega, podem ficar entre R$ 18 bilhões e R$ 20 bilhões.
Outro recurso usado com frequência pelo Tesouro tem sido a chamada pedalada - o atraso no desembolso de transferências, pagamentos de benefícios e assim por diante. Os bancos federais têm adiantado o dinheiro.
Não há nada irregular em pedaladas, disse o ministro. Essa é uma opinião discutível, mas, de toda forma, o ponto mais importante é outro. Quem chamará de sério um governo, quando o Tesouro só consegue fechar suas contas com pedaladas e receitas ocasionais, como dividendos, bônus e recebimentos de impostos refinanciados?
O ministro ainda apresenta como sinal de austeridade a manutenção do gasto com pessoal na faixa de 4,1% a 4,2% do PIB. Será mesmo? Só aumentando mais que os índices de inflação essa despesa se mantém mais ou menos constante como porcentagem do PIB. Isso é crescimento real em termos monetários. Qual tem sido o benefício desse aumento para a administração e para o público? As autoridades normalmente ficam longe desse assunto.